domingo, 10 de agosto de 2014

Obediência e medo em xeque


No último dia 30, o Brasil inteiro ficou chocado com as imagens de um garoto de 11 anos que ultrapassou a área de segurança da jaula de um tigre no zoológico de Cascavel, no Paraná, provocou o animal que, num ataque súbito, dilacerou seu braço, que teve de ser amputado na altura do ombro. Muito mais que o ataque, o que revoltou as pessoas foi saber que o pai do menino, que o acompanhava, havia permitido que ele se aproximasse do animal.
Numa polêmica que tomou conta das redes sociais, muitas pessoas exigiram o isolamento total do tigre e seu sacrifício, enquanto defensores dos animais acertadamente protestavam contra tal pedido, visto que o felino estava tranquilamente em seu lugar, e somente se voltou contra o garoto após ter sido provocado. Em alguns comentários despropositados, cheguei a ler que isso não teria acontecido se houvesse vigilantes perto das jaulas que coibissem a entrada das pessoas na área não permitida.
Qualquer pessoa que tenha ido a um zoológico sabe que existem placas mais do que em número suficiente e visíveis mostrando aos frequentadores quais os locais permitidos a sua entrada. Assim, o pai do menino sabia que ele não poderia estar naquele lugar, e nada fez para impedi-lo de chegar perto do felino. Um caso claro de desobediência às regras do zoológico, assim como tantas outras que vemos sendo ignoradas em nosso cotidiano.
Essa é a diferença clássica entre obediência – que denota respeito a uma determinada regra – ou medo de ser pego fazendo algo errado. O menino – que agora terá de se adaptar a uma vida com prótese no lugar de seu braço – sabia que estava fazendo algo errado. Talvez não tivesse noção do real perigo que corria – quantos de nós não nos arriscamos quando crianças? – mas tinha consciência de que não podia estar no lugar onde se encontrava. Assim como seu pai sabia que ele estava infringindo a regra do lugar. Porém, como ambos tinham consciência de que não estavam sendo vigiados, incorreram no erro tendo a certeza absoluta da impunidade, sem contar com o ataque do tigre.
E assim agimos em nosso dia-a-dia. Cometemos pequenos delitos confiantes em que nada vai acontecer quando não temos ninguém nos vigiando. Só agimos de acordo com o que está determinado quando temos certeza absoluta de nossa punição. Na verdade, não temos respeito e nem acreditamos que devemos ser obedientes às regras, mas adotamos os comportamentos pré-estabelecidos por medo da consequência que pode nos atingir. E assim vamos agindo em nosso cotidiano, sempre na certeza de nossa impunidade. Uma pena que, para aprendermos a agir por obediência, muitas vezes nossa punição tenha de ser uma perda tão grande quanto um braço amputado.

Entramos em uma loja e, a despeito dos avisos para não tocarmos nos objetos de vidro, o fazemos mesmo assim (quem nunca quis “ver com a mão”?), e colocamos rapidamente no lugar. Deixamos que nossos filhos corram em locais onde deveriam ficar quietos, porque “é difícil segurar criança no mesmo lugar durante muito tempo”. Estacionamos em vagas proibidas “só por cinco minutinhos”, garantidos pela cumplicidade silenciosa daqueles que, vendo nosso comportamento, fica quieto porque “não tem nada a ver com isso”.

domingo, 27 de julho de 2014

Quando o ‘humor’ machuca muito


Essa semana uma notícia envolvendo mais um desses novos “humoristas” que acham que “humor inteligente” é ridicularizar pessoas pela internet mostrou que a crueldade quando se trata de aviltar um ser humano por sua aparência ser considerada esteticamente “diferente” do que a sociedade entende como “aceitável” pode ter atingido seu limite. No último dia 22, vários sites publicaram a notícia de que a família de uma estudante da pequena cidade de Monte Aprazível (SP), a cerca de 35 quilômetros de São José do Rio Preto (SP), entrou na Justiça após a foto da filha, na época com 17 anos, ter sido publicada em abril sem autorização numa rede social pelo apresentador e humorista Oscar Filho. A ação pede R$ 109 mil por danos morais à adolescente e à família. Segundo a psicóloga Joseane Cristina Fernandes, que assina um laudo médico sobre o caso, a estudante entrou em depressão após a postagem, precisando de acompanhamento psicológico.
Até terminar o parágrafo acima, imagino que muita gente que está lendo esse texto – e não conhece toda a história – já deva estar pensando que a garota está “fazendo drama”. Acontece que a adolescente, que apresenta sequelas de uma paralisia facial, teve sua foto colocada junto a uma montagem seguida da seguinte frase: “Você já se sentiu tão diferente que até sua própria imagem te acha estranho?”. Na época em que Oscar Filho fez a “brincadeira”, seus próprios seguidores o criticaram por sua falta de sensibilidade, o que fez com que ele posteriormente tirasse a imagem do ar.
Independentemente de a jovem ter ou não sequelas de uma paralisia, o questionamento que se cabe aqui é qual o direito que uma pessoa tem de pegar uma foto de alguém que está em uma rede social, fazer uma montagem – sem a sua autorização – ridicularizando-a, e publicar para todos o país ver. Oriundo da mesma “escola” de Rafinha Bastos – que já declarou que mulher feia deve agradecer e abraçar a um homem que estuprá-la – Oscar Filho joga por terra todo seu talento para fazer humor, e entra no rol dos atuais humoristas que, para conquistar “likes” e comentários em suas postagens, usam e abusam do politicamente incorreto. O importante é ser o assunto do momento, na velha ideia do “falem mal, mas falem de mim”.
Na sociedade atual, a intolerância a quem é considerado “diferente” tem crescido exponencialmente. Ao invés de evoluirmos na aceitação das diferenças que são uma das características mais importantes da raça humana – afinal, se todos fossem iguais, que graça o mundo teria?, – estamos regredindo ao ponto em que todo mundo tem de ter o mesmo corpo, usar a mesma roupa, gostar das mesmas coisas. Paradoxalmente, nunca houve tanta diversidade, infelizmente, acompanhada de tanta intolerância.


domingo, 13 de julho de 2014

Novamente, a vítima é punida



Em meio à Copa do Mundo que termina hoje, um assunto chamou pouco a atenção da mídia há dez dias: a aprovação, pela Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), de um projeto de lei que obriga a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e o Metrô a reservar espaço exclusivo para mulheres, o chamado vagão rosa. Pelo projeto de Lei 175/2013, de autoria do deputado Jorge Caruso (PMDB), o trem e o metrô devem destinar um vagão em cada composição para as mulheres. O vagão rosa funcionaria diariamente, exceto fins de semana e feriados. A lei precisa ainda ser sancionada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), para entrar em vigor.
O assunto parece resolver um problema que este ano passou a ser mostrado bastante pela imprensa nacional: a existência de homens no transporte público que se aproveitam do grande número de usuários para “encoxarem” as passageiras ou passarem a mão em suas partes íntimas. No começo deste ano, a Delpom (Delegacia de Polícia do Metropolitano) prendeu pelo menos 33 homens que se aproveitavam da superlotação nesses meios de transporte para abusar de passageiras.
Essa situação não é atual. Quando mais nova, fui bastante usuária de ônibus, e sempre havia algum “espertinho” que tenta chegar mais perto se tinha a chance. Quando era pego, alegava que o veículo estava lotado, ou que “a curva o havia feito perder o equilíbrio”. Quando fazia faculdade, vi uma vez uma garota dar um tapa na cara de um rapaz que estava descaradamente se esfregando em suas nádegas – para surpresa dos ocupantes do ônibus, que em nenhum momento a defenderam.
A criação desse vagão rosa para mim é uma das coisas mais absurdas que vi nos últimos tempos. Mais uma vez, a culpa pelo assédio é imputada à mulher. Ao invés de se criar uma legislação mais efetiva para esse tipo de abuso, o que se propõe é que a mulher seja segregada. Lembrando que pelo menos metade dos usuários do metrô é do sexo feminino, e que apenas um vagão será destinado à mulher, como então ficarão aquelas que não conseguirem entrar nesse carro específico? Perderão a hora no trabalho apenas para evitar ocupar outro vagão?
E as que se arriscarem a entrar em outro vagão? Pela lógica da lei, os homens poderão pressupor que, se não estão em um carro destinado ao sexo feminino, essas mulheres estão “pedindo para serem assediadas”. É a mesma lógica perversa de que a mulher que está na balada quer ser “apertada”, que a garota que usa roupa curta está pedindo para ser “estuprada”, que a mulher que permitiu que seu namorado fizesse fotos suas nua queria que ele as colocasse na internet sem sua autorização. Mais uma vez, o criminoso não é punido, e seu comportamento aceito, enquanto a mulher precisa mudar seu jeito de ser para ter o respeito que lhe devia ser dado naturalmente.



domingo, 29 de junho de 2014

E a mídia teve de mudar...



No último dia 25 escrevi aqui sobre o tom de pessimismo que estava permeando a imprensa brasileira com a chegada do início da Copa do Mundo. As previsões de caos e tragédias, feitas por “especialistas” dos mais diversos órgãos de comunicação da grande mídia, nos passavam a ideia de que o Mundial se mostraria um fracasso em sua primeira semana. Tudo estava concorrendo para coroar uma suposta “incompetência absoluta” do atual governo, a despeito de vários dados positivos elogiados por órgãos de ilibada reputação internacional, como a ONU (Organização das Nações Unidas).
Passados exatos 17 dias do início do campeonato, o tom da mesma imprensa pessimista é completamente diferente. Não que a Copa esteja ocorrendo sem nenhum tipo de contratempo, comum a um evento desse porte que tivesse sido organizado em qualquer outro país do mundo. Porém, a ausência de grandes problemas, e a eficiência inesperada de setores onde estava previsto o total caos – como o aeroviário – fizeram com que a mídia entendesse que manter o discurso pessimista estava indo contra aquilo que a imprensa estrangeira estava mostrando de positivo sobre o campeonato. E de repente todas as mídias trataram de buscar matérias diferentes – e otimistas – sobre o Mundial, buscando inclusive mostrar uma certa distância sobre o tom pessimista adotado antes do evento.
As matérias que mais me chamaram a atenção foram sobre o encantamento dos estrangeiros com a hospitalidade e a modernidade de algumas cidades brasileiras, principalmente São Paulo e Brasília. Porém, ao ler os comentários, vi novamente a famosa “síndrome de vira-lata” que insiste em acometer nosso povo. Achei interessante – e ao mesmo tempo triste – ver as pessoas que dizem estar torcendo contra a Copa tentando desmerecer as notícias com comentários como "a matéria foi comprada" ou "leva esse povo numa favela para ver o que é bom". Fiquei pensando... Por algum acaso, quando viajamos para fora, alguém pede para ser levado a pontos ruins e pobres das cidades que visita? Quem vai a Nova York escolhe visitar um bairro pobre à noite ou fica no circuito turístico? Quem vai a Londres visita os bairros mais feios, onde dá medo andar no metrô, ou vai a lugares cheios de turistas? Paris, Berlim, Roma... As pessoas acham que só existe lugar turístico bonito mesmo nesses locais, ou já se interessaram em visitar os bairros pobres dessas cidades?

Nunca vi um povo para desprezar tanto o próprio país quanto o brasileiro. Como se em todas as cidades citadas acima só existisse perfeição, e aqui fosse tudo lixo. Por isso, sugiro que, na próxima viagem aos Estados Unidos ou à Europa, essas pessoas procurem visitar os bairros pobres, o sistema de saúde pública, áreas onde se concentram os drogados. Aí quero ver se ainda terão essa visão pequena que têm do próprio país, se achando grandes entendidos lá de fora apenas de lugares onde passearam como turistas.

domingo, 8 de junho de 2014

O absurdo uso da justiça



Que a Justiça brasileira é lenta todo mundo sabe. Infelizmente, nosso sistema judiciário vive abarrotado de processos, que muitas vezes levam anos para serem colocados em pauta e julgados, trazendo o sentimento de impotência e revolta para quem espera a solução de um problema. Um dos grandes problemas alegados para o enorme número de processos é a existência de casos que poderiam ser solucionados entre os próprios litigantes, sem a necessidade de ser recorrer a um juiz. Essas situações ajudam a sobrecarregar um sistema já falho e lento, e ainda assim vemos diariamente casos sem o menor cabimento travando a pauta dos juízes.
Essa semana vi um caso que me aturdiu não apenas pela idiotice do processo, mas pelo absurdo da situação. Um aluno de Tobias Barreto, em Sergipe, processou seu professor porque ele havia tirado seu celular, que estava sendo usado em sala de aula. Segundo sua mãe, que o representou na ação, o garoto havia sido tomado por um “sentimento de impotência, revolta, além de um enorme desgaste físico e emocional” após ter o celular confiscado. No processo, ela alega que o filho apenas olhava as horas. Porém, o comportamento era reincidente, e quando ele tirou seu fone do ouvido, foi possível perceber que ele estava ouvindo música em sala de aula.
Entre tantos absurdos nesse caso, para mim a posição da mãe foi a pior de todas: ajudou o filho a mentir e o protegeu de um ato de total desrespeito ao professor. Ao invés de mostrar a ele que sala de aula é lugar de estudo e não uma “balada”, ela preferiu agir como se o professor fosse alguém pago para aturar qualquer desaforo de sua cria mimada. Não me surpreenderá se, daqui a alguns anos, esse garoto vire um criminoso. Afinal, se não sabe ouvir a palavra “não”, achará que o mundo tem a obrigação de lhe servir – e irá tomar por força aquilo que não lhe for dado por direito.
O juiz julgou improcedente ação e ainda deu uma bela lição em sua sentença. “Julgar procedente esta demanda é desferir uma bofetada na reserva moral e educacional deste país, privilegiando a alienação e a contra-educação, as novelas, os ‘realitys shows’, a ostentação, o ‘bullying’ intelectivo, o ócio improdutivo, enfim, toda a massa intelectivamente improdutiva que vem assolando os lares do país, fazendo às vezes de educadores, ensinando falsos valores e implodindo a educação brasileira”.
Num país em que absurdos são noticiados todos os dias, em que jovens adoram jogar na cara das pessoas seus “direitos”, ler uma decisão dessas me enche de esperança que a nossa educação ainda tem salvação – e não depende apenas de professores, mas também de pais que entendam que a sala de aula não é uma extensão de suas casas, mas sim um local de ensino e onde o docente deve ser respeitado, e não tratado como um qualquer.



domingo, 25 de maio de 2014

Eterno complexo de vira-lata


De acordo com o grande dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980), uma das características principais do nosso povo é sofrer eternamente de “complexo de vira-lata”, que é a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Para minha grande tristeza, a cada dia que passa tendo a concordar cada vez mais com o escritor.
Falo isso porque, de alguns meses para cá, tenho percebido que as notícias negativas sobre o nosso país têm dominado as principais mídias 24 horas por dia. Parece que, de um momento para o outro, todos os grandes órgãos de comunicação descobriram que temos sérios problemas nas áreas de saúde, educação e segurança. A sensação que tenho quando assisto pela televisão os telejornais – a qualquer horário do dia – é que estou morando em algum país muito pobre da África, e não na atual oitava economia do mundo, aspirante à sexta posição, dependendo do resultado do PIB (Produto Interno Bruto), em disputa direta com a Inglaterra, segundo dados do Banco Mundial.
A proximidade da Copa do Mundo parece que exacerbou nosso complexo. A “torcida” para que tudo dê errado me espanta, e me espanta mais ainda quando vejo que esse sentimento vem de muita gente que já com seu ingresso comprado para pelo menos um jogo do Mundial. Ou seja, torço para que dê errado, mas quero torcer pela nossa seleção. Paradoxal, não é mesmo?
Não sou alienada ao ponto de achar que tudo dará certo no torneio. Muito pelo contrário, acredito que muita coisa não estará de acordo com o “padrão Fifa” que vem sendo citado em todas as mídias – e que até já virou piada nas redes sociais. Mas, diferente de gente que prega o quebra-quebra, greves e violência contra estrangeiros durante os jogos, eu torço para que os problemas sejam os menores possíveis.
Em qualquer outro país a população tentaria, de todas as formas, fazer um evento que orgulhasse o país. Não me lembro de ter visto na África do Sul tamanha torcida contra a Copa do Mundo, nem as quebradeiras que todo dia estão acontecendo em nosso país por causa de um suposto protesto contra o Mundial.
A Copa virou a grande vilã de todas as nossas mazelas. O que as pessoas parecem não entender – ou agem deliberadamente de má fé – é que o evento é um fato consumado. Por si só, esse deveria ser um estímulo para que tentássemos mostrar ao mundo que não somos o povo do oba-oba, da malandragem, da desonestidade, do jeitinho. Deveria ser a chance de mostrarmos que não somos o retrato dos políticos que elegemos e que somente legislam em causa própria. Enfim, como li essa semana em uma postagem em uma rede social, deveríamos mostrar que não somos o povo que “tem o governo que merece”. Somos melhores que nossos representantes, e temos a chance de mostrar isso ao mundo. Em minha opinião, devemos aproveitá-la.


domingo, 11 de maio de 2014

Somos todos juízes


Somos todos juízes. Todos os dias nos deparamos com situações diversas em que nos achamos no direito de determinarmos se esse ou aquele comportamento está certo ou errado – claro, de acordo com nossos princípios. Pequenos deslizes são cruciais para que, a partir deles decidamos se determinada pessoa vale ou não a pena estar em nosso convívio. A cada dia mais, estamos nos arvorando no direito de absolvermos ou condenarmos uma pessoa pelo que ela é – mesmo que para ela nossa opinião não faça a mínima diferença.
Desde que o mundo é mundo que temos esse tipo de comportamento. Antigamente, bastava uma mulher ser desquitada (que palavra antiga!) para que sua moral fosse colocada em xeque. Um homem que não se comportasse como homem – nunca entendi bem o que é “se comportar como homem”- já era visto de maneira enviesada, e os comentários maldosos surgiam em todos os lugares onde ele se encontrasse. A perda da virgindade de uma garota muitas vezes se transformava no assunto principal de todo um grupo, que já determinava que ela não servia para “casar”. O homem que não conquistasse um bom emprego também não era visto como uma boa opção para um casamento. Afinal, quem ia querer ficar com um “pé rapado”?
Todos esses julgamentos nos parecem bastante ultrapassados hoje, e realmente são. Mas mostram que sempre nos demos o direito de determinar o que era certo ou errado, sem nos preocuparmos em entender o que havia levado a pessoa a adotar certa atitude. A enorme diferença que existe entre hoje e o passado é que, naquela época, comentários maldosos e “julgamentos sumários” ficavam sempre na esfera família, trabalho, bairro em que se morava. Bastava mudar de seu bairro ou cidade para se esquecer a “má fama” e começar uma nova vida sem julgamentos de caráter já estabelecidos.
A chegada da internet mudou tudo isso. Basta um clique para que um comentário infeliz, uma foto ousada, um vídeo íntimo ou uma atitude mal pensada sejam mostrados a milhares – até mesmo milhões – de pessoas com a velocidade da luz. E uma vida até então sem problemas pode se transformar em um inferno.
Disseminamos pelas redes sociais comportamentos “inadequados” sem nenhum tipo de filtro, e automaticamente fazemos nosso julgamento em comentários demolidores. Se a reputação da pessoa ficará manchada para sempre não é nosso problema – afinal, quem mandou ela “errar”?

Porém, não nos damos ao mesmo trabalho de divulgação de atitudes boas. Muito pelo contrário, lemos rapidamente o fato e o esquecemos. É como se a necessidade de mostrarmos que somos melhores que a pessoa que fez algo condenatório fosse maior do que aceitarmos que somos falhos e que existem aqueles muito mais bem intencionados do que nós. Por isso, somos juízes o tempo todo, sem nos lembrarmos de que, um dia, também seremos julgados. 

domingo, 27 de abril de 2014

O horror bem ao nosso lado


O caso do menino Bernardo Boldrini, 11 anos, encontrado enterrado no último dia 14 em Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul, ainda é tema de matérias que ocupam todas as mídias. Diferente de muitos casos envolvendo crianças, que se perdem entre outras notícias de crimes, este tem diariamente atraído a atenção das pessoas pelo envolvimento da família do garoto em sua morte, mais especificamente sua madrasta, a enfermeira Graciele Ugolini, ajudada por sua amiga, a assistente social Edelvânia Wirganovicz, com possível anuência de seu pai, o médico Leandro Boldrini.
O horror quando nos deparamos com relatos de mortes infantis absurdas e cruéis muitas vezes é amainado pelo ambiente em que o menor vivia. Lemos todos os dias casos de crianças e bebês mortos por pais e até mesmo pela mãe, mas na maioria esmagadora deles os fatores álcool, drogas e falta de total estrutura básica familiar parece que ajuda-nos – se é que isso é possível – a entender o crime. “Também, num ambiente desses, claro que isso ia acontecer”, é o pensamento que vem à cabeça de muitas pessoas quando leem esse tipo de notícia.
Talvez por termos essa mentalidade a morte de Bernardo pareça tão sem sentido. Filho de um médico bem sucedido, não havia nenhum indício de que sofresse maus tratos físicos, mesmo após ter procurado o Ministério Público em janeiro pedindo para ser enviado a uma nova família, já que era negligenciado pelo pai e pela madrasta. Em uma audiência com o genitor, o juiz do caso decidiu dar ao cirurgião uma nova oportunidade para cuidar do filho, que aceitou a proposta, com certeza acreditando que seria novamente amado.
A cada vez que leio sobre o assunto, a mesma pergunta me vem à cabeça: será que se Bernardo fosse negro, pobre, filho de uma mãe com mais um monte de crianças, um pai desempregado e com problemas de álcool ou drogas, ele teria sido mantido na mesma família ao fazer o pedido de mudança à Justiça? Ou será que o juiz teria enxergado risco em mantê-lo em uma casa desestruturada?
Apesar de a cidade toda saber que o menino vivia vagando pelas ruas sempre com roupas velhas e somente podia entrar em casa quando o pai chegava do trabalho, ninguém nunca acreditou que ele estivesse correndo algum risco. Agora que ele está morto, aparecem pessoas para dizer que ele era maltratado. Por que não se manifestaram antes? A cor da madrasta a fazia diferente de uma mulher pobre que maltrata uma criança? O dinheiro do pai impedia que as pessoas o vissem como negligente?
Perguntas não trarão o menino de volta. Bernardo poderia ter sido meu ou seu vizinho. Poderia ter passado mil vezes em frente a minha casa triste, e eu não teria notado seu sofrimento. Que sua morte sirva de lição para que não nos deixemos levar apenas pela bela figura de uma família, e consigamos enxergar o mal que se encontra dentro dela. 

domingo, 13 de abril de 2014

Admirar não é estuprar


A estatística divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no último dia 4 de que 26% dos homens concordam, total ou parcialmente, com a afirmação de que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", corrigiu uma pesquisa anunciada uma semana antes, quando essa porcentagem era de 65%. Para muitos, o novo número trouxe uma sensação de alívio. Na verdade, a estatística ainda é muito alta.
Se pararmos para pensar, isso significa que um em cada quatro homens no Brasil acredita que a roupa usada pela mulher é a causa do estupro. Esse universo pode englobar nossos familiares, amigos, colegas de trabalho, conhecidos. Por essa absurda lógica machista, a mulher que usa um vestido curto deve ser violentada sexualmente. Comentários como “se ela estava assim é porque queria chamar a atenção” são comuns quando um caso de estupro é divulgado. À roupa que a mulher estava usando, muitas vezes, é dada mais atenção ao local onde ela se encontrava, ou o horário em que o ato ocorreu. Afinal, a culpa pelo ato, pelo machismo vigente no Brasil, é da vítima. O homem, como sempre, “foi instigado” a cometer o crime.
Que a roupa seja usada para chamar a atenção é óbvio. Se não fosse assim, homens e mulheres iriam de pijama a eventos sociais, sem se importar com os olhares dos outros. Mas faz parte de todas as sociedades a vestimenta como forma de chamar a atenção do sexo oposto. Porém, existe uma diferença imensurável entre ser olhada e ser estuprada.
Ao usar um vestido curto ou blusa decotada uma mulher pode sim querer a atenção masculina. Ela pode desejar ser admirada, paquerada, cortejada, elogiada. Isso, porém, não significa que ela deseje sem tocada, acariciada em suas partes íntimas, “encoxada” ou estuprada. A mulher também tem o direito de escolher com quem quer um envolvimento físico. Ela não é obrigada a aceitar passivamente o ato sexual porque seu vestido chamou a atenção de alguém que não a atraiu fisicamente. Não será sempre não, em qualquer idioma.
Os defensores desse pensamento machista parecem se esquecer que o estupro é um ato, acima de tudo, de poder. O estuprador sente prazer em subjugar sua vítima, e não em conquistá-la. Se a roupa fosse a razão para o estupro, bebês, crianças e idosos jamais sofreriam tal tipo de violência.
Estupro também é um crime de oportunidade. Se não fosse assim, estupradores atacariam suas vítimas de biquínis em praias lotadas, e não as esperariam em locais isolados para as subjugarem.
Para quem comemorou a correção da estatística, vale lembrar que 26% ainda é um número alto. Nesse universo, até mesmo um amigo pode ser esse um entre quatro que acha que você merece ser estuprada por usar roupa curta. E pode, baseado nesse pensamento, cometer o estupro. Pense nisso.


domingo, 30 de março de 2014

Minha infância e a ditadura

O ano era 1978. Tinha seis anos e minha única preocupação era brincar. Ia à escola, naquela época era o pré-escolar, e estava aprendendo minhas primeiras letras, não sabia ainda escrever ou ler, mas já sentia aquela curiosidade de entender as palavras quando me deparava com elas em um gibi ou livro infantil. Claro que, com toda a inocência que marca a infância das crianças, eu não tinha a menor ideia de que vivíamos sob uma ditadura militar. Lembro até que tinha um brinquedo com o desenho dos rostos de todos os presidentes que haviam governado o país até aquele ano, e tinha de acertar uma bolinha no “alvo” para ganhar pontos. O presidente que estava no poder, Ernesto Geisel, era o mais valioso, e conseguir acertá-lo era um desafio para mim.
Então, acredito que a pedido da minha mãe, comecei a fazer desenhos para alegrar um amigo da minha tia Inês “que adorava crianças e morava longe”. Eu amava desenhar, vivia com papel na mão fazendo borboletas e menininhas e casinhas e céus estrelados e bichinhos de todas as formas e cores. Caprichava nos desenhos porque sabia que minha tia ia entregar ao amigo, que ia ficar bastante feliz com minha “arte”. Acho que me considerada mesmo importante, afinal, meu desenho estava sendo admirado por alguém que eu sequer sabia quem era!
Minha mãe recebia cartas daquele homem, e em todas elas ele abria parênteses para escrever uma mensagem carinhosa a mim. Eu sentia como se ele estivesse realmente falando comigo! Ainda tenho as cartas, mas estão tão bem guardadas que acabei esquecendo em qual das minhas "caixas de memórias" elas estão - isso é muito típico de mim!
No Natal daquele ano, esse amigo misterioso que morava longe apareceu em minha casa para me conhecer. Minhas primas também faziam desenhos para ele, mas não com a mesma frequência que eu. Então ele queria saber quem era aquela menina que lhe mandava “obras de arte” com céus muito azuis, sóis enormes e sorridentes, e estrelas gigantes, se comparadas ao tamanho das casinhas que estavam na mesma folha.
Minha memória infelizmente não me permite recordar como ele era. Mas lembro claramente de ele me dar uma caixa de bombons e um cartãozinho cor de rosa em papel vegetal com uma mensagem de Natal. Lembro também do meu encantamento em saber que aquele amigo que morava longe tinha feito a viagem para me conhecer. Que honra para uma menina de seis anos!
Não sei quando parei de mandar os desenhos. Mais velha, fui descobrir que aquele homem era irmão de uma amiga da minha tia, e estava preso por razões políticas em São Paulo. Como a irmã morava também em Piracicaba, ela pediu a minha tia – que morava na capital – para que fosse visitá-lo de vez em quando. Sei que ele acabou sendo solto, mas desapareceu tempos depois. Onde ele está agora, se está vivo ou morto, ninguém sabe.

domingo, 16 de março de 2014

A beleza de doar felicidade


Cabelo. Parece uma palavra pequena e insignificante, mas para muitas mulheres é o ponto principal de toda sua beleza. Se não estiver de acordo com o que ela quer, pode arruinar seu dia. Se atender suas expectativas, pode garantir um sorriso durante 24 horas. Por tudo isso, a perda dos cabelos entre os pacientes de quimioterapia, quando acontece, na maioria das vezes causa um choque muito grande, que deprime e até mesmo pode atrapalhar o bom andamento do tratamento. Afinal, como se manter com otimismo, quando estamos nos sentindo horríveis?
Falo isso por experiência. Quando tive câncer há seis anos, de tudo que passei o que mais me derrubou foi a perda dos cabelos. Durante três meses chorei muito sofrendo antecipadamente pelo momento em que, quer eu quisesse ou não, os fios iriam começar a cair. Para minimizar o sofrimento, raspei a cabeça. No mesmo minuto em que fiquei careca, toda a angústia se foi. Perto de tudo que estava passando, perder os cabelos era “o de menos”. Mas não parecia assim.
Escrevo sobre isso porque, através de uma amiga que está com uma adolescente de apenas 15 anos doente na família, conheci um grupo de voluntários chamado Cabelegria, que doa perucas a quem não tem condições de comprar uma para usar durante o tratamento. Há cerca de 15 dias comecei a notar várias postagens em redes sociais do grupo, como fotos de pessoas – mulheres, em sua maioria – de todas as idades, raças, classes sociais e lugares do Brasil segurando um rabo de cavalo cortado e sorrindo. Foi então que descobri que o Cabelegria, para fazer seu belo trabalho, recebe doações de cabelo de qualquer tipo, mesmo que esteja com química. A única exigência é que os fios tenham pelo menos dez centímetros de comprimento.
Ver as fotos dessas pessoas sorrindo abertamente, felizes com suas doações, me deixou emocionada. Estamos tão acostumados a ler notícias sobre crimes hediondos, corrupção, escândalos, brigas entre torcidas, enfim, tanta coisa ruim, que quando nos deparamos com uma coisa tão bonita, muitas vezes, sequer prestamos atenção a sua real importância.
Atitudes assim, em meio a tantas crueldades que hoje parecem ser “normais” em nossa sociedade, me fazem ainda ter fé na humanidade. Os voluntários do Cabelegria merecem todo nosso respeito. Somente quem já ficou ou teve uma pessoa querida doente sabe o quanto a perda de cabelo é significativa. Não é “o de menos”, nem “o principal”. Mas é parte do processo que muitos precisam passar para ficarem curados. Quem tiver interesse em ajudar, seja com cabelos ou outro tipo de doação, pode acessar https://www.facebook.com/cabelegria. Os “carequinhas” de todo Brasil, com certeza, agradecem essa ação.


domingo, 2 de março de 2014

O machismo ainda impera


A declaração do vereador Eduardo da Silva (SD), feita há dez dias durante a sessão da Câmara de Americana, de que os maridos deveriam receber salários melhores para que as esposas possam ficar em casa cuidando dos filhos, é um total desrespeito às representantes do sexo feminino que o elegeram e também ao restante das mulheres da cidade, que se encontram tão mal representadas por um parlamentar machista e retrógrado.
Na semana em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher – uma data que a mim não remete à comemoração, mas sim à reflexão, porque mostra o quanto o sexo feminino ainda é relegado a segundo plano em muitas situações – ver que existem homens que acreditam que a mulher somente trabalha por dinheiro e não por realização pessoal é extremamente frustrante.
Existem sim muitas mulheres que optam por ficar em casa e cuidar dos filhos quando a situação financeira o permite. Respeito-as totalmente. Diferente das pessoas que não valorizam o trabalho doméstico e nem a criação de filhos, que consideram isso uma “obrigação” feminina e que não param um segundo sequer para pensar no quanto essa carga de trabalho é pesada, eu respeito aquelas que se dedicam à casa e às crianças. Lembro de minha mãe, que nunca pôde dirigir por causa de um problema de vista, mas que levava a mim e meus dois irmãos ao dentista, ao médico, à escola, tudo a pé ou de ônibus, além de cuidar da casa. Por isso, respeito as mulheres que fazem da vida doméstica e da criação de filhos sua opção.
Da mesma maneira respeito quem, podendo ficar em casa, opta por melhorar. Não considero uma mulher mais ou menos mãe porque fica fora o dia todo enquanto a criança está na escola ou sendo cuidada por outra pessoa. O conceito de que apenas a mãe cria o filho e cuida da casa já está mais do que ultrapassado. Pode ter sido a regra na época de meus avós e meus pais, mas os relacionamentos hoje são baseados em troca e companheirismo, e não mais em submissão e sobrecarga de trabalho apenas para o sexo feminino.

O nobre vereador americanense perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado quando estava discutindo a votação do Bolsa-creche. Uma mulher não trabalha apenas para ajudar seu marido no orçamento doméstico. Na maioria das vezes, ela trabalha por prazer, por competência, por gostar da profissão, por achar importante contribuir nas despesas do casal. Achar que o bom salário do marido é o que toda mulher precisa para se sentir feliz é desprezar as representantes que hoje ocupam altos cargos corporativos e políticos no mundo todo, inclusive nossa presidente. Pedir desculpas por declaração tão desrespeitosa não é suficiente. Meu consolo é que hoje em dia homens como esse parlamentar não são mais a maioria.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Gritante corporativismo



No último dia 7, a Justiça mineira condenou os médicos Sérgio Poli Gaspar, Celso Roberto Fransson Scafi e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes a penas de 14 anos, 18 anos e 17 anos de reclusão em regime fechado pela morte do menino Paulo Veronesi Pavesi, de apenas dez anos. O crime ocorreu em abril de 2000, quando o garoto foi atendido pelos médicos na Santa Casa da cidade após ter caído do prédio onde morava. Ele passou por procedimentos inadequados e teve os seus órgãos removidos, quando ainda estava vivo, para posterior transplante, por meio de diagnóstico forjado de morte encefálica.
Apesar de caber recurso, o juiz do caso não permitiu que os condenados aguardem a decisão em liberdade e decretou a prisão preventiva dos médicos. Além das penas criminais, os profissionais também perderam seus cargos públicos.
Em um país onde estamos acostumados a ver réus confessos saírem andando tranquilamente pela porta da frente de um tribunal, mesmo após terem sido condenados por crimes hediondos, a decisão em Minas Gerais traz um sopro de esperança daqueles que esperam que a lei seja aplicada a todos, e não apenas àqueles que se encontram no degrau menos favorecido da sociedade.
Para qualquer pessoa mediana, a ideia de que esses profissionais possam no futuro voltar a atender um paciente parece absurda. Afinal, quem gostaria de dar entrada em um hospital em estado grave, sabendo que esse tipo de médico pode simplesmente “decretar” sua morte para obter lucro financeiro? No entender de pobres mortais como eu, profissionais de saúde que agem dessa maneira deveriam perder o direito a exercer a Medicina imediatamente.
Porém, meu pensamento não é igual ao do CRM (Conselho Regional de Medicina) de Minas Gerais, que foram absolvidos no processo administrativo a que respondiam na entidade pela mesma acusação. A decisão foi unânime entre os 42 conselheiros que absolveram os profissionais. A Justiça havia pedido a cassação dos registros profissionais dos médicos para que não pudessem exercer a profissão, pois haviam sido condenados pelo crime. Com a decisão, eles poderão continuar a exercer a profissão.
Como fazer compreender a qualquer pessoa que pela lei eles mataram uma criança, mas pelo Conselho – que é regido por seus pares – eles são considerados inocentes? De acordo com a entidade mineira, os médicos não feriram o Código de Ética da categoria. Então, no meu humilde entendimento, posso entender que tirar órgãos de uma criança ainda viva para sua comercialização é uma atitude ética, e por isso os profissionais condenados são inocentes.
Podemos comemorar a decisão da Justiça. Já que o CRM mineiro decidiu apoiar esse tipo de médico, que pelo menos uma pessoa sensata tire das mãos desses profissionais o direito de matar outras pessoas. Excelentíssimo juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, o senhor orgulha o povo brasileiro.


domingo, 2 de fevereiro de 2014

A vitória da diversidade


Ao escrever esse texto, ainda estava emocionada pelo final da novela “Amor à Vida”. Já disse aqui que não assisto novela – e realmente não tenho o costume – mas desde “Avenida Brasil”, que acompanhei na reta final, acabei me vendo tendo simpatia pelos vilões marcantes, e Félix foi mais um que me conquistou.
A expectativa pelo “beija-não beija” de Félix e Nico alvoroçou os telespectadores. De um lado, aqueles  defendem acima de tudo os “valores familiares”, mas não veem nada de errado em cenas de violência, traição, roubo, assassinato.  De outro, aqueles que, como eu, a despeito de não serem homossexuais, acreditam que cada um pode e deve ser feliz do jeito que quiser – desde que não prejudique ninguém.
A cena do beijo levada ao ar na última sexta-feira vinha sendo esperada como final de Copa do Mundo. Em bares, segundo colegas, todo mundo estava ligado na televisão esperando o desfecho da novela, e os aplausos foram estrondosos quando finalmente beijo saiu. No Facebook, os comentários ao fim da novela eram de parabéns ao autor e à Globo pela maneira como a cena foi conduzida, sem vulgaridade, mostrando o amor existente entre um casal. Eu estava na casa da minha sobrinha em Bauru e não contive as lágrimas, afinal, como amiga de muitos casais e solteiros homossexuais torço pela felicidade deles.
Mateus Solano, com sua mais que brilhante interpretação de Félix, conseguiu angariar a simpatia de muitos telespectadores. Homens sisudos, que jamais assistiam novela, se pegavam parados em frente à televisão para ver os trejeitos e as tiradas do homossexual mais odiado – e em seguida mais amado – do Brasil. Uma campanha foi feita no Twitter por famosos e anônimos pedindo ao autor da novela, Walcyr Carrasco, para que o beijo acontecesse. Foram gravados três finais da novela, e foi levado ao ar aquele que o público mais queria.
A cena foi muito mais bonita e tocante do que eu esperava. Um beijo que acontece entre qualquer casal ao se despedir no dia a dia, entre qualquer casal que busca ficar mais tempo junto na correria do nosso cotidiano. Nada de vulgaridade, nada de “pegação”, nada de “esfregação”. Uma simples e perfeita demonstração do mais sublime dos sentimentos – o amor.
E o amor foi a tônica do final da novela, quando César, talvez tocado pela devoção do filho, talvez fragilizado pelo seu estado de saúde, reconhece o amor que Félix lhe devota. Todas as desavenças, ódio, ressentimentos, tudo acaba sendo esquecido com a frase “eu também te amo, meu filho”. Sei que ainda vai demorar mais que uma geração para que essa frase seja dita por pais a seus filhos homossexuais, mas somente o fato de uma emissora  ter dado o primeiro passo já é uma grande esperança. Que a tolerância seja nossa bandeira, e que, no futuro, ela seja plenamente respeitada.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Pelo direito de ser feliz


Essa semana vi no site do UOL uma pesquisa feita por especialistas britânicos, que sugere que casais sem filhos são mais felizes no casamento. O levantamento realizado ao longo de dois anos por pesquisadores da Open University conclui que esses casais estão mais satisfeitos com seus relacionamentos e se sentem mais valorizados por seus parceiros do que os casais com filhos. A pesquisa ouviu cinco mil pessoas de várias faixas etárias, classes sociais e orientação sexual. Segundo os autores, casais sem filhos dedicam mais tempo à manutenção do relacionamento, a apoiar o parceiro, a dizer "eu te amo" e a conversar abertamente.
Muitos consideraram a pesquisa mentirosa e outros, em um raciocínio que ainda não consegui entender, decretaram que o estudo havia sido feito por quem não tem filhos – por esse pensamento, posso presumir que apenas doentes de câncer fazem pesquisa sobre a doença e apenas viciados em drogas estudam seus efeitos. Achei interessante ver os comentários ofensivos sobre a matéria, como se não ter filhos fosse um crime, e como se ser feliz por não tê-los um crime maior ainda. Aliás, acho interessante que quem opta por não ter filhos não fica apregoando aos quatro ventos o quanto é bom viver assim, mas tem de aguentar muita gente questionando essa decisão com argumentos que vão desde o famoso "instinto materno" até o "quem vai cuidar de você quando ficar velho" (como se filho fosse obrigado a isso).
Precisamos ainda evoluir muito nesse sentido. Incomoda ver que existem casais que preferem não ter filhos e curtir a vida da maneira que querem. Isso é visto como egoísmo. Agora, casais que têm filhos, mas que deixam para a avó, a tia, a madrinha, a babá, enfim, para qualquer pessoa cuidar e apenas se preocupam na hora de saírem bonitos na foto com os pequenos são vistos como exemplo.
Conheço tanto casais frustrados por terem filhos, quanto por não terem. No primeiro caso, apenas não assumem esse fato em alto e bom som porque nossa sociedade é hipócrita e não admite que quem optou pela paternidade ou maternidade possa ter a mais remota ideia de arrependimento. Aliás, no primeiro caso eu acho que nem deveriam ter sido pais, mas não tinham ideia da responsabilidade que é ter um filho. No segundo caso, tentam ter os filhos de todas as maneiras, e se não o conseguem parece que a vida não tem mais sentido
E conheço pessoas que abriram mão de ter filhos por prezarem uma vida mais individualista, satisfazendo seus próprios desejos, sem a responsabilidade de criar um filho, e que não tentam impor seu modo de vida aos outros. Ter filhos ou não é uma opção – e não uma imposição feita pela sociedade. As críticas a quem opta por viver fora do que a sociedade convencionou como família são muitas. Muitos comentários da matéria falaram que os casais que se dizem felizes sem filhos estão mentindo. Mas será que realmente todos os casais com filhos estão falando a verdade quando apregoam sua felicidade? Ou será que não está na hora de pararmos de querer impor um modo de vida que, muitas vezes, está alicerçado em hipocrisia?

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Um presente de final de ano


Na última segunda-feira do ano vim trabalhar, já pensando nos dois dias seguintes que teria de folga. Assim como milhares de pessoas, vim trabalhar pensando que seria melhor ter conseguido emendar os três dias, e por isso meu humor não estava dos melhores. Não que estivesse mal humorada, mas não estava dando risada à toa. Independente disso, sempre penso que, já que temos de cumprir uma obrigação, temos de fazê-lo da melhor maneira possível.
Imbuída do espírito “vamos chegar e terminar logo”, antes de começar o trabalho resolvi almoçar. Naquelas mudanças de planos de última hora, decidi não almoçar logo na entrada da cidade, e segui para o restaurante mais próximo ao jornal. Encontrei o colega André Thieful, almoçamos juntos, fiz umas comprinhas de última hora e desci ao carro estacionado na garagem coberta. André me acompanhou, e percebeu que uma mulher me olhava, como se me conhecesse. Eu somente a notei quando já estava dentro do carro, e ainda fiquei na dúvida se ela estava realmente sorrindo para mim, porque não a conhecia.
Foi aí que a mágica do meu dia começou. Essa mulher veio até o carro, perguntou se eu era do Liberal, e disse que havia me reconhecido no restaurante. Depois, ela falou que lê tudo o que escrevo, e que, em sua opinião, eu passo mensagens boas às pessoas. Não vou negar que fiquei lisonjeada, ainda mais quando ela disse que gostava de mim como se fosse uma filha. Para finalizar, essa mulher me abraçou e, muito emocionada, começou a me desejar e a minha família as melhores coisas possíveis para este ano. Não me contive, e ambas choramos. Talvez o momento, o final de ano, a emoção dessa mulher tenham me feito chorar. Não sei dizer. Apenas sei que, quando cheguei à redação e contei ao meu editor Carlos Ventura o que havia acontecido, foi difícil segurar o choro novamente. Carlão então me falou algo importante: eu havia acabado de ganhar um belo presente de final de ano.
Não conto isso para me vangloriar. Afinal, como essa mulher gosta muito do que escrevo, tem muita gente que com certeza detesta. Artigos opinativos são passíveis de despertar na mesma proporção admiração e desprezo, amor e ódio. Tenho consciência de que não sou unanimidade, e nem tenho essa pretensão. 

Mas conto isso para lembrar o quanto nossas palavras são importantes. Do mesmo modo que podemos semear com nossos textos algo bom, podemos conseguir também disseminar sentimentos ruins. Nas redes sociais é possível ver o quanto atingimos as pessoas, a cada “curtir” em uma frase, ou a cada discussão surgida por causa de uma opinião. Essa mulher mais uma vez me fez ver que, quando escrevo, posso tirar o melhor ou o pior das pessoas. Espero conseguir, na maioria das vezes, a primeira opção com meus textos.