quarta-feira, 28 de abril de 2010

Assumindo responsabilidades

O Superior Tribunal de Justiça negou na última terça-feira, por unanimidade, o pedido de indenização feito pela família de um ex-fumante, morto em 2001, vítima de câncer de pulmão, à indústria tabagista Souza Cruz S.A. A família alegou que era obrigação da empresa informar que o cigarro causava dependência e poderia provocar problemas de saúde, como o câncer. Porém, o Tribunal entendeu que a indenização não se justificava, porque muitos fumantes nunca desenvolvem câncer e diversas pessoas que nunca fumaram, até crianças, apresentam a doença.
Concordo com a Justiça. Alegar desconhecimento dos males do cigarro, nos dias de hoje, somente se a pessoa for cega e surda. Impossível não ver as fotos de advertências que há mais de dez anos estão estampadas nos maços, assim como é difícil não ter ouvido ou lido reportagens em rádio, televisão, jornal e revista sobre o assunto.
Também não acho que vale a alegação de que, há 40 anos, as pessoas não tinham o conhecimento sobre todos os problemas de saúde que o fumo pode causar. Uma coisa é ignorar esse fato, outra é tomar conhecimento dele e, ainda assim, preferer manter o hábito do tabagismo.
Homens e mulheres começam a fumar porque querem. Mesmo adolescentes, tão antenados em tudo que os cerca, sabem que o cigarro é prejudicial à saúde. Se decidem fumar, seja por afirmação, rebeldia ou inconsequência, é uma decisão deles. Nunca vi ninguém chegar a um jovem e colocar um revólver na cabeça dele, obrigando-o a acender um cigarrro. E já vi muitos adolescentes recusarem o cigarro. Antigamente, fumar era sinônimo de rebeldia. Hoje em dia, não fumar é normal.
Tenho muitos amigos que fumam. Nenhum deles joga a responsabilidade do vício em outra pessoa. Admitem que são viciados, que sabem que o cigarro faz mal, que deveriam parar, mas não conseguem. Alguns ficaram anos sem fumar e voltaram, outros nunca nem tentaram parar e outros, em respeito a mim, evitam fumar quando estou no mesmo ambiente.
Jogar em cima do fabricante a responsabilidade pelo vício de um fumante é apenas não admitir falta de vontade de parar com o cigarro. Todos sabemos o quanto é difícil, mas não impossível. Conheço pessoas que pararam de fumar de um dia para o outro, após 40 anos como tabagistas. A decisão do Tribunal foi justa porque, se cada fumante que ficar doente receber uma indenização, se criará uma indústria de processos no País. Mas acredito, acima de tudo, que a Justiça mostrou que cada um tem de assumir responsabilidade perante seus atos, e não alegar desconhecimento de algo que, diariamente, por anos, vem sendo mostrado em todas as mídias como prejudicial à saúde.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Orgulho de ser brasileira

Hoje comemoramos os 510 anos do descobrimento do Brasil. Diferente do dia de Tiradentes e da inauguração de Brasília, comemorados com uma festa que atraiu um milhão de pessoas na capital do País, praticamente não vi nada que lembrasse o surgimento da nossa terra natal. Uma data importante e, por mais que muitos não queiram admitir, que enche de orgulho a maioria dos brasileiros.
Eu me incluo nessa maioria. Tenho muito orgulho de ser brasileira. Já morei fora e, quando as pessoas me perguntavam de onde eu era, sempre enchia o peito para falar que era do Brasil. Engraçado que a maioria pensava que eu era do Leste Europeu (por ser muito branca) ou dos países do Mediterrâneo (pelo sotaque). Um dia comentei isso com uma amiga e ela me disse que teria o maior orgulho de ser confundida com uma europeia, e que não hesitaria em mentir sua origem. Lembro da minha reação indignada: “Pois eu tenho muito orgulho de ser brasileira, e não faço a mínima questão de ser confundida com outro povo!”, exclamei.
Ufanismos à parte, acredito que temos sim de nos orgulhar do nosso País. Temos problemas? Muitos, assim como todos os países têm. Não devemos nos comparar com os piores, mas também não podemos achar que o resto do mundo é melhor do que a gente. Esse brio que não temos é que nos faz falta. Ao invés de nos orgulharmos e tentarmos mudar o que está errado, achamos mais fácil ficar reclamando, resmungando, criticando, mas sem fazer nada.
Criticamos os políticos mas, quando chegam as eleições, acabamos votando nos mesmos nomes que estão há séculos no poder e nunca fizeram nada de produtivo para esse País. Criticamos os corruptos mas, se temos a chance de subornar um guarda para nos livrarmos de uma multa, não hesitamos cinco minutos. Ou seja, falamos mal de todas as mazelas que existem no Brasil, mas não fazemos muito esforço para mudá-las.
O que muita gente não sabe é que somos olhados com muito carinho pelos estrangeiros de caráter. Somos vistos como um povo hospitaleiro, como um País que tem belezas naturais incríveis, como uma gente solidária e alegre, que luta para superar os obstáculos cotidianos com um bom humor contagiante. Sim, existem aqueles que nos enxergam como uma republiqueta cheia de corruptos e um paraíso do turismo sexual. Turismo esse que existe em todos os países, mas que não é mostrado na televisão com tanta frequência. Ou as pessoas acreditam que nos Estados Unidos, país com a maior indústria pornográfica do mundo, esse problema não existe?
Está mais do que na hora de nos orgulharmos do povo que somos, do País em que vivemos e das riquezas que possuímos. Não falo apenas de ficar batendo no peito e ser ufanista, mas também de agir para que as coisas mudem. Orgulho a gente sente quando consegue fazer aquilo em que ninguém mais acredita. E precisamos voltar a acreditar em nosso País. Portanto, parabéns pelos nossos 510 anos como Nação!

terça-feira, 13 de abril de 2010

Caridade sem preconceito

Uma polêmica envolvendo os jogadores Robinho, Neymar e Ganso tomou conta dos jornais no início do mês, quando eles, na porta de uma entidade espírita que toma conta de 34 crianças com paralisia cerebral, se recusaram a entrar para distribuir ovos de Páscoa aos internos com a alegação de que entrar na casa seria agir contra seus princípios religiosos – os três são evangélicos.
Não vou falar aqui mal desta ou daquela religião porque, assim como não admito que falem da minha, não pretendo ofender a crença de ninguém. Mas posso falar dessas pessoas supostamente religiosas que, em nome de um “Deus” particular que somente elas têm no coração, tomam atitudes que contradizem frontalmente um dos princípios mais básicos de toda crença: a caridade.
Fazer caridade apenas com quem queremos, ou quando queremos, é bastante fácil. O que mais chocou na atitude dos jogadores foi que eles estavam na porta da entidade, ou seja, havia 34 crianças ansiosas esperando por aquela visita. Para consertar o que ficou muito feio para o time, essa semana os jogadores voltaram ao lar para entregar presentes às crianças. Um deles, Roberto Brum, chegou a levar toda a família para conhecer os internos.
Não sabemos se o que levou os atletas a retornarem ao lar foi a verdadeira caridade, ou uma jogada (sem trocadilho futebolístico) para que suas imagens voltassem a ser bem vistas pela mídia. Claro que nenhum torcedor vai deixar o time do coração por conta disso, mas o ocorrido havia deixado uma marca bastante negativa em todo o time santista – do qual metade, sem nenhum problema, entrou na casa no dia combinado para entregar os ovos.
Sempre fui da opinião que todo excesso é prejudicial. Também acredito que isso se aplica à religião. Para mim, de nada vale orar, rezar, bater no peito, acender vela, enfim, praticar todos os rituais existentes, e não ser capaz de praticar a verdadeira caridade fora da igreja ou templo religioso.
Conheço pessoas que vivem falando de Jesus, Deus, dizendo “amém”, “que bênção”, “glória a Deus”, e no entanto são incapazes dos mais elementares gestos de caridade com aqueles que não professam da mesma fé. O Deus em que eu acredito sempre pregou a bondade e a igualdade entre os homens – e não determinou que devo ajudar esse ou aquele dependendo da igreja que ele frequenta.
A atitude dos jogadores santistas foi lamentável, e um péssimo exemplo a quem os enxerga como ídolos. A maior prova de que eles mesmos sabem que agiram da forma errada foi seu retorno ao lar – seja lá por qual razão, eles quiseram mostrar que passaram por cima de suas ideologias religiosas. Quem mais ganhou foram as crianças, que tiveram momentos de alegria, em meio às limitações que a vida lhes impôs.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Estigma é pior que doença

Hoje é comemorado o Dia Mundial da Luta Contra o Câncer. Não pretendo falar aqui de números da doença ou de seus sintomas, mas de um lado muitas vezes esquecido: do estigma que cerca os pacientes do problema. Falo com conhecimento de causa bastante profundo: por duas vezes, aos 31 e aos 36 anos, tive câncer de mama. Hoje estou curada, mas faço exames de três em três meses para checar se não há recidiva. Não é fácil saber que, a cada 90 dias, minha vida novamente depende de resultados de exames, mas faz parte do protocolo da doença esse controle e, gostando ou não, tenho de passar por ele.
Acredito que, pior que o câncer, é o estigma que o acompanha, principalmente para as mulheres que passam pela quimioterapia e sofrem seus efeitos colaterais, ficam carecas, incham, perdem o brilho da pele. Essa semana assisti o seriado “Brothers & Sisters” e a personagem Kitty, que luta contra uma leucemia grave, começa a perder os cabelos durante uma festa. Sem dramalhão, o seriado mostrou a personagem se sentindo impotente, e ao mesmo tempo sendo corajosa ao decidir raspar a cabeça. Quando os cabelos começam a cair, Kitty chora e diz: “Não quero que as pessoas saibam que estou doente, não quero que elas me vejam assim”.
Tive o mesmo sentimento que a personagem. Sofri muito mais pela perda dos cabelos do que pela mastectomia. Não queria que as pessoas me olhassem careca, tanto que mandei fazer uma peruca assim que soube que perderia os cabelos. O interessante é que, depois que raspei a cabeça, o sofrimento acabou. Aliás, fiquei uma careca linda.
Percebi que meu medo era o que as pessoas iriam falar se me vissem assim. Como se a culpa fosse minha por estar doente! Porque uma mulher careca e inchada choca, e muito. Quando meus cabelos começaram a crescer estava começando a primavera e, por causa do calor, não conseguia mais usar a peruca. Percebia os olhares de soslaio quando entrava em algum lugar, sempre de cabeça erguida e sorrindo. Porque sempre tive o seguinte pensamento: estou doente, mas não morri, e vou viver normalmente, dentro das minhas possibilidades.
Algumas pessoas me admiravam e até mesmo vinham falar comigo e prestar solidariedade, sem sequer me conhecerem. Mas outras, fieis ao estigma de que pacientes com câncer devem ficar em casa, me olhavam de cara feia, como se fosse um insulto eu estar me divertindo em um bar ao invés de deitada na cama. Lembro de um dia em que um jovem de uns 18 anos externou isso em um tom de voz meio baixo, mas alto o suficiente para eu o ouvisse. Não tive dúvidas em me virar e dizer que, tanto quanto ele, eu tinha o direito de estar naquele bar, de tomar um chopp e, sim, de me divertir muito!
Essa visão do paciente moribundo precisa ser mudada. O doente de câncer, além do tratamento, merece um olhar de respeito, e não de pena ou de crítica por estar se divertindo. Quando estava doente, criei uma frase que me ajudou muito: como não quero que o câncer me domine, deixo que minha felicidade o enfraqueça. Eu venci a doença, e espero, um dia, que todos os pacientes consigam vencer o estigma que nos cerca.