quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Aprendendo a ganhar

Uma pesquisa do Procon (Serviço de Proteção ao Consumidor) divulgada ontem aponta que os preços dos medicamentos apresentaram variação de até 523,81% entre os genéricos e de até 100% entre os de referência, em levantamento realizado entre os dias 1º e 3 de setembro na cidade de São Paulo. O levantamento foi realizado em 15 farmácias e drogarias distribuídas pelas cinco regiões da cidade e 52 medicamentos.
Como justificar uma disparidade de preços tão grande? Sabemos que, ao fazer a pesquisa de preço de qualquer produto, devemos levar em consideração o local onde ele está sendo vendido, o atendimento, facilidade de pagamento... Ainda assim, uma variação de mais de 500% não tem a menor lógica. Afinal, os medicamentos são os mesmos, feitos pelo mesmo fabricante, na mesma embalagem.
Essas disparidades ocorrem porque ainda não temos o costume permanente de fazer a pesquisa de preços. Acabamos nos acostumando a comprar no mercado perto de casa, na farmácia onde somos conhecidos, no açougue que nos atende bem. Pesquisar, conferir os preços, verificar as vantagens de se comprar em outro lugar – tudo isso, para a maioria das pessoas, “dá muito trabalho”.
E aí me vem à mente o velho costume (também não tão comum quanto parece) de “pechinchar”. Pedir um descontinho na hora da compra, hábito que deveria ser considerado salutar, é visto como uma vergonha. Afinal, se a pessoa pede desconto, na concepção de muita gente, é porque não pode comprar. Se não pode, nem deveria ter ido ver o produto.
Achamos comum a pechincha na hora de comprar um bem de valor alto, como um carro ou imóvel. Nesse caso, o termo muda: chama-se negociação. E aí nos orgulhamos de ter conseguido um bom desconto, de o preço ter abaixado sei lá quantos por cento, de termos “levado vantagem” na compra.
Mas qual a diferença entre negociar um produto de R$ 1 mil e um de R$ 1 milhão? Dinheiro não dá em árvore, e quem trabalha sabe o quanto custa ganhá-lo. Então, por que gastá-lo como se não fizesse diferença conseguir alguma vantagem?
Pesquisar preços e pedir descontos são atitudes que transformam as pessoas em consumidores conscientes de seus direitos. Se eu posso pagar menos por um produto, se tenho tempo para checar onde os preços são mais acessíveis, não posso abrir mão desse privilégio em favor da preguiça ou de achar que esses são hábitos de pessoas mesquinhas. Ninguém junta fortunas esbanjando dinheiro. Muito pelo contrário: as pessoas enriquecem sabendo guardar, pesquisar e negociar. Será que não vale a pena todo o “trabalho”?

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Situações iguais, desfechos diferentes

Semana passada uma notícia chocou quase todo mundo: uma criança americana de quase dois anos foi filmada pela própria mãe fumando maconha. A menina foi entregue a outros parentes para ser cuidada e a mãe está presa, aguardando julgamento. Se condenada, pode pegar pelo menos seis anos de prisão. Um agravante deixou os policiais e assistentes sociais do caso mais estarrecidos: pela maneira como estava agindo, é possível que a criança fosse acostumada a fumar, e que a filmagem não tenha sido de um ato isolado.
Há pouco mais de 20 dias fato semelhante aconteceu no Brasil. Em Cabedelo, na Paraíba, a polícia encontrou um vídeo de um menino de cerca de três anos também fumando a substância ilícita. Na filmagem um homem aparece dando a droga ao menino, observado pela mãe, que não faz nada para impedir o ato. Pior: ela e o homem gargalham o tempo todo ao ver a criança usando a droga. A mãe também perdeu a guarda do pequeno, mas não foi presa. Motivo: alegou estar sendo ameaçada pelo traficante do filme, na época seu companheiro, e que foi obrigada a deixar o filho fumar maconha. Assim, enquanto as investigações correm, ela está solta.
Estou bastante cansada de ler notícias em que alegações absurdas justificam crimes mais absurdos ainda. Não dá para acreditar que uma pessoa que gargalhava ao ver um traficante dar droga a seu filho estivesse realmente sendo ameaçada. Qualquer pessoa de inteligência mínima percebe que a mulher está muito à vontade no filme, inclusive participando ativamente do que está sendo feito.
Essa mãe (se é que podemos chamar uma pessoa assim de mãe!) merecia estar presa, e não esperando o julgamento em liberdade, muito provavelmente passeando e despreocupada. E grávida de outra criança, que deverá ter um triste futuro, se pensarmos em como ela cuida do primeiro.
Fazemos escolhas em nossas vidas que têm consequências em todos os nossos futuros atos. Se escolho morar com um traficante, como essa mãe, não posso querer depois justificar qualquer ato errado meu por ameaça. Se estava realmente correndo risco, por que não foi fazer denúncia à Polícia? Por que não fugiu? Por que não buscou ajuda? Por que não se escondeu?
Sei que muita gente vai querer justificar a covardia dessa mulher pelo medo, mas não há medo que justifique uma mãe agir como ela agiu. Quando vi a notícia sobre a mãe americana semana passada, não pude deixar de, mais uma vez, sentir vergonha por nossas leis serem tão complacentes. Lá, a mulher vai ser julgada, pode até ser inocentada, mas enquanto isso está presa e vai ter bastante tempo para repensar seus atos. Aqui, a mãe está esperando outra criança e, muito provavelmente, sem se preocupar nem um pouco em como está seu outro filho. Situações iguais, mas desfechos muitos diferentes.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sem limites de privacidade

Manter a privacidade, para muitas pessoas, ainda é importante, mesmo em tempos de redes sociais de todos os tipos, BBB em vários países e paparazzi de plantão para flagrantes de celebridades. Somos bombardeados 24 horas por informações pessoas que muitas vezes sequer nos interessam, mas temos a opção de dar (ou não) atenção aquilo que nos é mostrado.
O problema é que o limite entre privacidade e público ficou muito tênue. Esta semana tive um exemplo bem claro disso. Com quatro amigas, fui almoçar e, ao entrar no banheiro do restaurante, demos de cara com uma cena inusitada (para não dizer de extremo mau gosto e falta de senso): uma moça, bem arrumada inclusive, sentada no vaso sanitário, fazendo suas necessidades, com a porta totalmente escancarada.
Quando entramos e vi aquela cena, imaginei que ela iria fechar a porta rápido. Muito pelo contrário: ela continuou na mesma posição, e não se importou em até mesmo se limpar diante de nossos olhares espantados. Não que tenhamos ficado olhando diretamente para ela, mas na pia onde estávamos lavando as mãos havia um espelho onde era possível ver essa imagem nada agradável para quem estava indo almoçar. Procuramos sair o mais rápido possível do banheiro, afinal, não me interessa saber o que cada pessoa faz quando está sentado em um vaso sanitário.
O limite entre público e privado não existia nesse caso. A moça não se preocupou se a sua atitude iria incomodar outras pessoas. Fiquei imaginando se esse comportamento ela adota em todos os lugares, ou se foi uma situação pontual, já que sua carteira e celular haviam ficado na bancada da pia e, com a porta aberta, ela poderia vigiá-los. Independente disso, ficar com a porta escancarada, em um banheiro de restaurante, incomoda as pessoas. E muito!
Essa falta de limites de privacidade está se tornando cada dia mais comum. Eu mesma tenho um tom de voz alto, e às vezes não percebo que posso estar incomodando as pessoas próximas a mim quando estou em lugares públicos. Agradeço aos meus amigos que me avisam quando elevei a voz, porque não faço isso de propósito, e até mesmo tento às vezes me policiar para que isso não ocorra.
Mas noto que a maioria das pessoas não se preocupa com nada disso. Falar alto, muitas vezes contando detalhes de histórias sórdidas, faz parte do comportamento em público. Falar ao celular para que todo mundo possa ouvir o que está sendo conversado também é bastante comum. Os limites de privacidade precisam voltar a ser retomados. Ninguém precisa saber o que conversamos e, principalmente, o que fazemos no banheiro.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Cada dia sendo o último

A tragédia que abalou Americana nesta quarta-feira ainda repercute alto na população, que busca entender o acidente que matou nove pessoas e deixou 14 feridas, após a colisão entre um ônibus e um trem. Em meio ao choque e aos inevitáveis questionamentos sobre quem causou a batida entre os veículos, as famílias das vítimas ainda têm de lidar com a partida repentina de seus entes queridos.
Aquelas pessoas estavam indo para casa após um dia de trabalho ou estudo. Gente que esperava chegar, possivelmente jantar e descansar, contar seu dia para a mulher, o marido, o amigo. Gente que talvez fosse chegar em casa e escrever uma carta, ligar para uma amiga e bater aquele papo atrasado, mandar um e-mail, resolver alguma situação pendente.
De repente, tudo acabado. Sem chance de dizer adeus, de se desculpar por alguma falha, de perdoar alguma mágoa antiga, de terminar algo começado, de visitar aquele parente, de fazer aquela viagem esperada, de realizar todos os seus sonhos.
A morte é a única certeza na vida de qualquer pessoa. Sabemos que vamos morrer, apenas não sabemos nossa data de validade. Quando ela é anunciada, seja por causa de doenças ou da velhice extrema, tentamos nos preparar para esse momento, e ainda assim é difícil aceitar a sua chegada. Buscamos consolo naquela velha frase de “ele(a) descansou”, mas ainda assim nos questionamos porque isso aconteceu. Mas, quando a morte chega assim, pelo menos temos tempo de nos despedir.
Porém, quando ela chega abruptamente, não há consolo imediato. Não há como voltar e fazer por aquela pessoa que se foi o que devíamos ter feito antes. E quem foi, que muitas vezes deixa planos inacabados, não tem a chance de finalizar o que havia sido planejado para sua vida.
Sábado uma pessoa me disse algo que jamais pensei transmitir: que eu vivo intensamente, como se cada dia pudesse ser o último. Talvez pelo fato de ter chegado muito perto de partir, eu tenha adotado essa atitude. Mas precisei passar perto da morte para entender que a vida é agora, e que nada pode ser deixado para depois.
O acidente de quarta-feira me reforçou isso. Pode ser clichê para muita gente, mas viver cada minuto, da melhor maneira possível, é o que devemos fazer. Sonhos podem ser interrompidos, podemos ter nossa existência acabada de um minuto para o outro, mas nossa partida deve ser marcada pela sensação de termos tentado, em vida, cumprir nossos objetivos. Deixar um plano inacabado é, com certeza, muito melhor do que deixá-lo apenas como uma ideia que jamais foi cogitada de ser colocada em prática. Termos pelo menos tentado ser felizes é o melhor presente que podemos deixar para aqueles que ficam.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Responsabilidade dividida

Essa semana tomei conhecimento de um dado impressionante: segundo o Censo Escolar de 2009, cerca de 25% das crianças e adolescentes brasileiros não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Segundo a presidente do Instituto Paternidade Responsável, Jaqueline Reche, isso significa um montante de 4,8 milhões de pessoas sem o reconhecimento paterno – sendo cerca de 3 milhões menores de 18 anos. Na França, apenas 2% dos estudantes vivem a mesma situação.
Nossa sociedade ainda aceita passivamente que um pai não assuma seu filho. Ao invés de repúdio a uma atitude considerada desprezível, o que vemos, em muitos casos, são as famílias apoiando aqueles que não querem assumir seus futuros filhos. Como se uma criança fosse feita sozinha, ou por osmose, e não dependesse do relacionamento de duas pessoas para existir.
Não interessa se o relacionamento foi casual, se a mulher quis dar o famoso “golpe da barriga”, se o casal se detesta, se a gestante teve dez mil parceiros antes do pai da criança. O que interessa, acima de tudo, é que existe um pequeno ser que não tem nenhuma culpa do que seus pais fizeram, e que não pediu para vir ao mundo. Se veio, tem de ser criada com muito amor.
A falta do nome do pai na certidão é uma lacuna difícil de ser entendida. Afinal, qual o erro da criança que sonha em ter sua existência reconhecida por quem deveria amá-la e criá-la? Um dado em Santa Catarina, sede do Instituto, impressiona: sete em cada dez presos foram criados sem a figura paterna. Será que o caminho para a criminalidade não pode ter sido influenciado por isso?
Claro, tem também aqueles que, a despeito de não terem pai, seguiram suas vidas sem problemas. Mas estamos falando de problemas com a lei, e não psicológicos. Porque a ausência do pai deve ser triste demais. Pior ainda é saber quem ele é, onde está, o que faz, e ter consciência de que ele simplesmente não quer tomar conhecimento da existência do filho.
Está mais do que na hora de os homens entenderem que, a partir do momento em que são comunicados de uma gravidez, suas responsabilidades começam aí. Exames de DNA existem para comprovar sua paternidade, em caso de dúvida. Tenho amigos que não queriam assumir seus filhos, mas depois do DNA feito, viraram excelentes pais, a despeito de mal conversarem com a mãe da criança. Porém, uma ausência tanto em nome quanto em presença não pode ser retomada, depois dos anos passados. Tenho amigos cujos pais apenas os assumiram pela lei, e somente quando eles estavam adultos tentaram se aproximar. Alguns hoje têm bons relacionamentos, mas outros convivem apenas o mínimo necessário (quando convivem). Recuperar um amor que nunca foi dado pode ser impossível. Será que vale a pena correr esse risco?