domingo, 22 de setembro de 2013

Do mundo nada se leva


Essa semana todos os sites “bombaram” em acessos com a notícia de que o playboy Chiquinho Scarpa iria enterrar seu carro Bentley, avaliado em cerca de R$ 1 milhão, para poder “usufruir” de seu conforto na outra vida. Claro que 99% dos comentários sobre o assunto massacraram a atitude de Scarpa, que foi chamado de todos os nomes possíveis e imagináveis. Eu mesma fiquei indignada com tal atitude, e não me contive nos comentários depreciativos sobre o playboy.
Porém, ao chamar a imprensa na última sexta-feira para o “enterro” do carro, o conde Chiquinho Scarpa surpreendeu a todo mundo com a notícia de que tudo não passava de uma mentira, para chamar a atenção da mídia para o lançamento da Semana Nacional de Doação de Órgãos, que ocorre entre 23 e 29 de setembro.
A atitude de Scarpa realmente conseguiu considerável espaço na mídia. O que foi visto inicialmente como uma loucura e mais um entre tantos atos de esnobismo do conde, tornou-se depois uma das mais bem sucedidas estratégias de marketing para falar sobre um assunto que ainda não é discutido em toda sua amplitude pela sociedade brasileira.
Eu sou doadora de órgãos. Já avisei minha família desse meu desejo, inclusive quero doar minha pele e depois ser cremada. Não vejo sentido em ter um corpo depositado em um local para ser visitado em datas como Dia de Finados e Natal. Aliás, eu mesma raríssimas vezes visito os túmulos de meus familiares ou amigos mortos, porque para mim simplesmente não existe nada em um túmulo além de ossos e restos de roupas. A lembrança e a saudade deles encontram-se em minha memória, não preciso de lápides para reviver os bons momentos que tivemos juntos em vida.
Fiquei pensando que, a despeito de eu ser doadora de órgãos, nem todas as pessoas da minha família são e concordam com minha decisão. Analisando por esse aspecto, não tenho nenhuma garantia de que meu desejo será respeitado caso aconteça algo que me impeça de dizer aos médicos a minha decisão. Claro que já disse que sou doadora, mas conheço muitos casos em que a família simplesmente esqueceu esses desejo ou mesmo não o realizou por não haver nada escrito especificando essa vontade. E aí fica o dito pelo não dito.
Por isso, ao ler sobre a campanha, decidi que preciso urgente fazer algum documento que deixe mais do que comprovado minha. Acredito que muita gente, assim como eu, jamais tenha feito alguma declaração escrita sobre a doação de órgãos, e que depois dependa da família para ter seu desejo cumprido.

Não critico quem não quer doar órgãos, apesar de achar mais racional mesmo uma pessoa enterrar um carro que vale R$ 1 milhão do que órgãos que podem salvas várias vidas. Do mundo nada se leva. Vale uma reflexão sobre a mensagem queremos deixar quando não estivermos mais aqui.  

domingo, 8 de setembro de 2013

A culpa ainda é da mulher


Ivete Sangalo foi mais uma vez assunto em todas as mídias e redes sociais porque, durante um show, pegou o celular de um fã, apagou fotos que ele havia feito de sua calcinha, e ainda por cima lhe deu uma bronca por conta da atitude. Vi manifestações de apoio à cantora, baseadas na premissa de que mesmo a calcinha dela estando à vista ela devia ser respeitada, como críticas a sua atitude, com comentários de que “se ela não queria ser fotografada, que não se exibisse”.
Acho interessante ver que um fato dessa insignificância tenha sido tão divulgado pela mídia. E quando falo mídia não me refiro apenas às publicações e sites de celebridades, mas a todos os grandes órgãos de comunicação do país. Ao mesmo tempo, me choca ver que a mesma mídia que se apressou a defender Ivete Sangalo da “ousadia” de um fã mais afoito, se calar totalmente sobre o caso das duas adolescentes estupradas há pouco mais de um ano por seis – sim, seis! – membros de uma banda chamada New Hit. Além disso, mais quatro homens participaram de maneira indireta do abuso sexual.
Para quem não se lembra, as duas adolescentes, de 16 anos, que entraram no ônibus do grupo para pedir autógrafos, em Ruy Barbosa, Bahia. Elas foram estupradas em turnos enquanto um policial militar, do lado de fora do ônibus, garantia que ninguém interrompesse o ataque sexual. Há mais de um ano os estupradores permanecem impunes, mesmo após todo tipo de averiguação e análises de DNA, que atestam que o sêmen encontrado nas vítimas pertence a seis deles e comprovam a participação dos outros dois. Para deixar claro que eles têm certeza da impunidade, a banda ainda criou uma nova música com uma letra intimidadora e as garotas tiveram de recorrer à proteção policial para terem um pouco de segurança, já que estão sendo ameaçadas de morte por fãs e familiares dos membros do New Hit.
Desde o registro da ocorrência há mais de um ano, o julgamento já foi adiado duas vezes. Na última terça-feira o julgamento teve início e a defesa dos músicos foi novamente vitoriosa em adiá-lo para os próximos dias 17, 18 e 19 desse mês. Mesmo com todo esse absurdo, não vi em quase nenhum lugar qualquer notícia sobre o caso. A mesma mídia que até hoje publica notícias sobre o estupro coletivo da jovem fisioterapeuta que morreu em dezembro, ocorrido na Índia, se cala diante da violência perpetrada contra duas meninas nordestinas.

Pior que esse silêncio é saber que a banda está com a agenda cada vez mais lotada de shows, onde mais garotas correm o risco de serem estupradas caso resolvam pedir um autógrafo. A estratégia da defesa é a mais antiga do mundo: o sexo foi consensual. Como sempre, a culpa do estupro ainda é da mulher.