quarta-feira, 16 de junho de 2010

Se beber, pode dirigir (e matar)

Celebrada há quase dois anos como uma eficiente medida de punição contra motoristas embriagados, a chamada “Lei Seca” mostrou, essa semana, que na verdade é totalmente inócua quando o infrator se recusa a fazer o teste do bafômetro. Na última sexta-feira, em Sumaré, ao atropelar quatro pessoas de uma mesma família, negar socorro e tentar fugir, o motorista Giliard dos Santos Queiroz estava visivelmente embriagado. Porém, ele se negou a fazer o teste e, como não houve um exame de sangue, foi solto. Após matar uma criança de nove meses, está em liberdade, porque não houve flagrante.
A lei preconiza que nenhuma pessoa pode fornecer prova contra si mesma. No caso de Queiroz, se aceitasse se submeter ao bafômetro, ele comprovaria o que estava claro a quem o prendeu: seu teor alcoólico estava acima do permitido por lei. Mesmo embriagado, ele sabia das consequências do teste. Portanto, podemos presumir que, ao beber, ele também sabia que poderia provocar um acidente.
A justificativa para que não se pedisse a prisão do motorista é que não havia embasamento jurídico para mantê-lo em cárcere, já que ele se negou a fazer exame de bafômetro e de sangue, e a menina não morreu no local. Ou seja, somente quando acontecesse uma tragédia no local dos fatos é que a pessoa corre o risco de ser punida. Nesse caso, como a bebê morreu depois do ocorrido, não há nada que se fazer.
Para agravar a sensação de impunidade, os exames de sangue que poderiam ajudar na constatação de embriaguez não foram requisitados, porque a demora dos médicos atrapalharia o resultado já que, quando eles chegassem, o motorista estaria melhor.
Uma cadeia de fatos absurda que mostra como a impunidade reina livremente no Brasil. Vista no início como uma norma rígida, a Lei Seca é paradoxal, porque permite a qualquer pessoa se recusar a fazer o teste. Não acho que o teste deveria ser opcional: se a pessoa está embriagada, tem de fazê-lo e pronto. O motorista que causou a tragédia do fim de semana está livre e, muito provavelmente, terá uma punição branda, graças às famosas brechas que nossas leis possuem.
Não sou contra a Lei Seca, muito pelo contrário, mas acho que alguns pontos precisam ser revistos. O interessante dela é que o rigor é o mesmo para quem beber duas latas de cerveja e quem tomar um barril inteiro: a suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Enquanto isso, quem mata, mas não faz o bafômetro, pode ficar livre da cadeia. Existe alguma lógica nesse princípio? Mesmo que exista, ela não servirá para abrandar a dor dos pais que perderam a pequena menina. Além da tristeza, ainda resta a sensação de impotência ao ver o responsável livre da punição, pelo menos por enquanto. Livre, inclusive para, se quiser, continuar bebendo e dirigindo.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O adeus que não quis dar

Há dez dias minha amiga Aline morreu. Durante três anos ela foi uma guerreira, lutando com todas as forças contra um câncer muito agressivo que, a despeito de todas as tentativas médicas, conseguiu vencer seu corpo, mas jamais quebrou seu espírito. Pouco antes de ser sedada, quando não havia mais o que fazer em termos médicos, Aline pediu à família que não desistisse dela. Foi o último apelo de uma pessoa que estava totalmente paralisada e até respirando por aparelhos, mas ainda tinha fé e acreditava na cura.
Conheci Aline na minha primeira sessão de quimioterapia. Sentada no fundo da sala, ela usava uma peruca linda, e sorria a todo mundo que entrava na sala. O infortúnio nos aproximou. Aquele primeiro sorriso foi a deixa para que dela eu me aproximasse e perguntasse onde ela havia conseguido aquela peruca. Na segunda sessão, eu já estava careca, e ela me disse que eu estava linda. Na terceira, fiquei sabendo que ela chorava comigo cada vez que iam me aplicar a quimio. A quarta ela fez um dia antes de mim, mas deixou seu telefone para que eu entrasse em contato.
Durante dois anos ela fez parte da minha vida quase que diariamente. Não nos víamos sempre, mas conversávamos bastante. Acompanhei a volta do câncer, o reinício da quimioterapia, e vi aos poucos a doença vencendo aquela mulher doce que, mesmo doente, estava sempre sorrindo e dizendo a todo mundo que ficaria curada.
Tive com ela uma ligação espiritual que não tenho com muitos amigos de muitos anos. E aí, por mais que eu esperasse, a morte veio. Quando chegou, não conseguia acreditar. Porque, por mais que a gente espere, por mais que nos preparemos para ela, por mais que tenhamos consciência de que aquele sofrimento precisa acabar, ainda assim, quando ela chega, não conseguimos entender.
Acho que a morte é a coisa mais sem compreensão que existe. A pessoa está ali e, de um minuto para o outro, não existe mais. Acredito que o espírito se mantenha vivo, mas saber que meu celular nunca mais vai tocar com o nome “Aline” piscando no visor dói. A morte é entrar no Orkut e ver que aquele perfil sorridente foi apagado. E saber que foi apagado por uma terceira pessoa, porque ela não estava mais aqui para fazer isso. É olhar nossas fotos, sempre sorrindo, e pensar que nunca mais poderei ter outro retrato com ela.
Não vi Aline ser enterrada. Guardei para mim a imagem daquela mulher alegre, confiante, guerreira, sincera e amiga. Mais que amiga, irmã. Porque ela foi a irmã que eu escolhi. Sinto que perdi uma parte de mim. Ao mesmo tempo, sei que ela está ao meu lado. A dor, com o tempo, se suaviza, mas a imagem, graças a Deus, nunca se apaga. Seja feliz onde estiver, minha amiga!