domingo, 16 de fevereiro de 2014

Gritante corporativismo



No último dia 7, a Justiça mineira condenou os médicos Sérgio Poli Gaspar, Celso Roberto Fransson Scafi e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes a penas de 14 anos, 18 anos e 17 anos de reclusão em regime fechado pela morte do menino Paulo Veronesi Pavesi, de apenas dez anos. O crime ocorreu em abril de 2000, quando o garoto foi atendido pelos médicos na Santa Casa da cidade após ter caído do prédio onde morava. Ele passou por procedimentos inadequados e teve os seus órgãos removidos, quando ainda estava vivo, para posterior transplante, por meio de diagnóstico forjado de morte encefálica.
Apesar de caber recurso, o juiz do caso não permitiu que os condenados aguardem a decisão em liberdade e decretou a prisão preventiva dos médicos. Além das penas criminais, os profissionais também perderam seus cargos públicos.
Em um país onde estamos acostumados a ver réus confessos saírem andando tranquilamente pela porta da frente de um tribunal, mesmo após terem sido condenados por crimes hediondos, a decisão em Minas Gerais traz um sopro de esperança daqueles que esperam que a lei seja aplicada a todos, e não apenas àqueles que se encontram no degrau menos favorecido da sociedade.
Para qualquer pessoa mediana, a ideia de que esses profissionais possam no futuro voltar a atender um paciente parece absurda. Afinal, quem gostaria de dar entrada em um hospital em estado grave, sabendo que esse tipo de médico pode simplesmente “decretar” sua morte para obter lucro financeiro? No entender de pobres mortais como eu, profissionais de saúde que agem dessa maneira deveriam perder o direito a exercer a Medicina imediatamente.
Porém, meu pensamento não é igual ao do CRM (Conselho Regional de Medicina) de Minas Gerais, que foram absolvidos no processo administrativo a que respondiam na entidade pela mesma acusação. A decisão foi unânime entre os 42 conselheiros que absolveram os profissionais. A Justiça havia pedido a cassação dos registros profissionais dos médicos para que não pudessem exercer a profissão, pois haviam sido condenados pelo crime. Com a decisão, eles poderão continuar a exercer a profissão.
Como fazer compreender a qualquer pessoa que pela lei eles mataram uma criança, mas pelo Conselho – que é regido por seus pares – eles são considerados inocentes? De acordo com a entidade mineira, os médicos não feriram o Código de Ética da categoria. Então, no meu humilde entendimento, posso entender que tirar órgãos de uma criança ainda viva para sua comercialização é uma atitude ética, e por isso os profissionais condenados são inocentes.
Podemos comemorar a decisão da Justiça. Já que o CRM mineiro decidiu apoiar esse tipo de médico, que pelo menos uma pessoa sensata tire das mãos desses profissionais o direito de matar outras pessoas. Excelentíssimo juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, o senhor orgulha o povo brasileiro.


domingo, 2 de fevereiro de 2014

A vitória da diversidade


Ao escrever esse texto, ainda estava emocionada pelo final da novela “Amor à Vida”. Já disse aqui que não assisto novela – e realmente não tenho o costume – mas desde “Avenida Brasil”, que acompanhei na reta final, acabei me vendo tendo simpatia pelos vilões marcantes, e Félix foi mais um que me conquistou.
A expectativa pelo “beija-não beija” de Félix e Nico alvoroçou os telespectadores. De um lado, aqueles  defendem acima de tudo os “valores familiares”, mas não veem nada de errado em cenas de violência, traição, roubo, assassinato.  De outro, aqueles que, como eu, a despeito de não serem homossexuais, acreditam que cada um pode e deve ser feliz do jeito que quiser – desde que não prejudique ninguém.
A cena do beijo levada ao ar na última sexta-feira vinha sendo esperada como final de Copa do Mundo. Em bares, segundo colegas, todo mundo estava ligado na televisão esperando o desfecho da novela, e os aplausos foram estrondosos quando finalmente beijo saiu. No Facebook, os comentários ao fim da novela eram de parabéns ao autor e à Globo pela maneira como a cena foi conduzida, sem vulgaridade, mostrando o amor existente entre um casal. Eu estava na casa da minha sobrinha em Bauru e não contive as lágrimas, afinal, como amiga de muitos casais e solteiros homossexuais torço pela felicidade deles.
Mateus Solano, com sua mais que brilhante interpretação de Félix, conseguiu angariar a simpatia de muitos telespectadores. Homens sisudos, que jamais assistiam novela, se pegavam parados em frente à televisão para ver os trejeitos e as tiradas do homossexual mais odiado – e em seguida mais amado – do Brasil. Uma campanha foi feita no Twitter por famosos e anônimos pedindo ao autor da novela, Walcyr Carrasco, para que o beijo acontecesse. Foram gravados três finais da novela, e foi levado ao ar aquele que o público mais queria.
A cena foi muito mais bonita e tocante do que eu esperava. Um beijo que acontece entre qualquer casal ao se despedir no dia a dia, entre qualquer casal que busca ficar mais tempo junto na correria do nosso cotidiano. Nada de vulgaridade, nada de “pegação”, nada de “esfregação”. Uma simples e perfeita demonstração do mais sublime dos sentimentos – o amor.
E o amor foi a tônica do final da novela, quando César, talvez tocado pela devoção do filho, talvez fragilizado pelo seu estado de saúde, reconhece o amor que Félix lhe devota. Todas as desavenças, ódio, ressentimentos, tudo acaba sendo esquecido com a frase “eu também te amo, meu filho”. Sei que ainda vai demorar mais que uma geração para que essa frase seja dita por pais a seus filhos homossexuais, mas somente o fato de uma emissora  ter dado o primeiro passo já é uma grande esperança. Que a tolerância seja nossa bandeira, e que, no futuro, ela seja plenamente respeitada.