domingo, 10 de agosto de 2014

Obediência e medo em xeque


No último dia 30, o Brasil inteiro ficou chocado com as imagens de um garoto de 11 anos que ultrapassou a área de segurança da jaula de um tigre no zoológico de Cascavel, no Paraná, provocou o animal que, num ataque súbito, dilacerou seu braço, que teve de ser amputado na altura do ombro. Muito mais que o ataque, o que revoltou as pessoas foi saber que o pai do menino, que o acompanhava, havia permitido que ele se aproximasse do animal.
Numa polêmica que tomou conta das redes sociais, muitas pessoas exigiram o isolamento total do tigre e seu sacrifício, enquanto defensores dos animais acertadamente protestavam contra tal pedido, visto que o felino estava tranquilamente em seu lugar, e somente se voltou contra o garoto após ter sido provocado. Em alguns comentários despropositados, cheguei a ler que isso não teria acontecido se houvesse vigilantes perto das jaulas que coibissem a entrada das pessoas na área não permitida.
Qualquer pessoa que tenha ido a um zoológico sabe que existem placas mais do que em número suficiente e visíveis mostrando aos frequentadores quais os locais permitidos a sua entrada. Assim, o pai do menino sabia que ele não poderia estar naquele lugar, e nada fez para impedi-lo de chegar perto do felino. Um caso claro de desobediência às regras do zoológico, assim como tantas outras que vemos sendo ignoradas em nosso cotidiano.
Essa é a diferença clássica entre obediência – que denota respeito a uma determinada regra – ou medo de ser pego fazendo algo errado. O menino – que agora terá de se adaptar a uma vida com prótese no lugar de seu braço – sabia que estava fazendo algo errado. Talvez não tivesse noção do real perigo que corria – quantos de nós não nos arriscamos quando crianças? – mas tinha consciência de que não podia estar no lugar onde se encontrava. Assim como seu pai sabia que ele estava infringindo a regra do lugar. Porém, como ambos tinham consciência de que não estavam sendo vigiados, incorreram no erro tendo a certeza absoluta da impunidade, sem contar com o ataque do tigre.
E assim agimos em nosso dia-a-dia. Cometemos pequenos delitos confiantes em que nada vai acontecer quando não temos ninguém nos vigiando. Só agimos de acordo com o que está determinado quando temos certeza absoluta de nossa punição. Na verdade, não temos respeito e nem acreditamos que devemos ser obedientes às regras, mas adotamos os comportamentos pré-estabelecidos por medo da consequência que pode nos atingir. E assim vamos agindo em nosso cotidiano, sempre na certeza de nossa impunidade. Uma pena que, para aprendermos a agir por obediência, muitas vezes nossa punição tenha de ser uma perda tão grande quanto um braço amputado.

Entramos em uma loja e, a despeito dos avisos para não tocarmos nos objetos de vidro, o fazemos mesmo assim (quem nunca quis “ver com a mão”?), e colocamos rapidamente no lugar. Deixamos que nossos filhos corram em locais onde deveriam ficar quietos, porque “é difícil segurar criança no mesmo lugar durante muito tempo”. Estacionamos em vagas proibidas “só por cinco minutinhos”, garantidos pela cumplicidade silenciosa daqueles que, vendo nosso comportamento, fica quieto porque “não tem nada a ver com isso”.

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