domingo, 27 de julho de 2014

Quando o ‘humor’ machuca muito


Essa semana uma notícia envolvendo mais um desses novos “humoristas” que acham que “humor inteligente” é ridicularizar pessoas pela internet mostrou que a crueldade quando se trata de aviltar um ser humano por sua aparência ser considerada esteticamente “diferente” do que a sociedade entende como “aceitável” pode ter atingido seu limite. No último dia 22, vários sites publicaram a notícia de que a família de uma estudante da pequena cidade de Monte Aprazível (SP), a cerca de 35 quilômetros de São José do Rio Preto (SP), entrou na Justiça após a foto da filha, na época com 17 anos, ter sido publicada em abril sem autorização numa rede social pelo apresentador e humorista Oscar Filho. A ação pede R$ 109 mil por danos morais à adolescente e à família. Segundo a psicóloga Joseane Cristina Fernandes, que assina um laudo médico sobre o caso, a estudante entrou em depressão após a postagem, precisando de acompanhamento psicológico.
Até terminar o parágrafo acima, imagino que muita gente que está lendo esse texto – e não conhece toda a história – já deva estar pensando que a garota está “fazendo drama”. Acontece que a adolescente, que apresenta sequelas de uma paralisia facial, teve sua foto colocada junto a uma montagem seguida da seguinte frase: “Você já se sentiu tão diferente que até sua própria imagem te acha estranho?”. Na época em que Oscar Filho fez a “brincadeira”, seus próprios seguidores o criticaram por sua falta de sensibilidade, o que fez com que ele posteriormente tirasse a imagem do ar.
Independentemente de a jovem ter ou não sequelas de uma paralisia, o questionamento que se cabe aqui é qual o direito que uma pessoa tem de pegar uma foto de alguém que está em uma rede social, fazer uma montagem – sem a sua autorização – ridicularizando-a, e publicar para todos o país ver. Oriundo da mesma “escola” de Rafinha Bastos – que já declarou que mulher feia deve agradecer e abraçar a um homem que estuprá-la – Oscar Filho joga por terra todo seu talento para fazer humor, e entra no rol dos atuais humoristas que, para conquistar “likes” e comentários em suas postagens, usam e abusam do politicamente incorreto. O importante é ser o assunto do momento, na velha ideia do “falem mal, mas falem de mim”.
Na sociedade atual, a intolerância a quem é considerado “diferente” tem crescido exponencialmente. Ao invés de evoluirmos na aceitação das diferenças que são uma das características mais importantes da raça humana – afinal, se todos fossem iguais, que graça o mundo teria?, – estamos regredindo ao ponto em que todo mundo tem de ter o mesmo corpo, usar a mesma roupa, gostar das mesmas coisas. Paradoxalmente, nunca houve tanta diversidade, infelizmente, acompanhada de tanta intolerância.


domingo, 13 de julho de 2014

Novamente, a vítima é punida



Em meio à Copa do Mundo que termina hoje, um assunto chamou pouco a atenção da mídia há dez dias: a aprovação, pela Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), de um projeto de lei que obriga a CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e o Metrô a reservar espaço exclusivo para mulheres, o chamado vagão rosa. Pelo projeto de Lei 175/2013, de autoria do deputado Jorge Caruso (PMDB), o trem e o metrô devem destinar um vagão em cada composição para as mulheres. O vagão rosa funcionaria diariamente, exceto fins de semana e feriados. A lei precisa ainda ser sancionada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), para entrar em vigor.
O assunto parece resolver um problema que este ano passou a ser mostrado bastante pela imprensa nacional: a existência de homens no transporte público que se aproveitam do grande número de usuários para “encoxarem” as passageiras ou passarem a mão em suas partes íntimas. No começo deste ano, a Delpom (Delegacia de Polícia do Metropolitano) prendeu pelo menos 33 homens que se aproveitavam da superlotação nesses meios de transporte para abusar de passageiras.
Essa situação não é atual. Quando mais nova, fui bastante usuária de ônibus, e sempre havia algum “espertinho” que tenta chegar mais perto se tinha a chance. Quando era pego, alegava que o veículo estava lotado, ou que “a curva o havia feito perder o equilíbrio”. Quando fazia faculdade, vi uma vez uma garota dar um tapa na cara de um rapaz que estava descaradamente se esfregando em suas nádegas – para surpresa dos ocupantes do ônibus, que em nenhum momento a defenderam.
A criação desse vagão rosa para mim é uma das coisas mais absurdas que vi nos últimos tempos. Mais uma vez, a culpa pelo assédio é imputada à mulher. Ao invés de se criar uma legislação mais efetiva para esse tipo de abuso, o que se propõe é que a mulher seja segregada. Lembrando que pelo menos metade dos usuários do metrô é do sexo feminino, e que apenas um vagão será destinado à mulher, como então ficarão aquelas que não conseguirem entrar nesse carro específico? Perderão a hora no trabalho apenas para evitar ocupar outro vagão?
E as que se arriscarem a entrar em outro vagão? Pela lógica da lei, os homens poderão pressupor que, se não estão em um carro destinado ao sexo feminino, essas mulheres estão “pedindo para serem assediadas”. É a mesma lógica perversa de que a mulher que está na balada quer ser “apertada”, que a garota que usa roupa curta está pedindo para ser “estuprada”, que a mulher que permitiu que seu namorado fizesse fotos suas nua queria que ele as colocasse na internet sem sua autorização. Mais uma vez, o criminoso não é punido, e seu comportamento aceito, enquanto a mulher precisa mudar seu jeito de ser para ter o respeito que lhe devia ser dado naturalmente.