domingo, 25 de maio de 2014

Eterno complexo de vira-lata


De acordo com o grande dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980), uma das características principais do nosso povo é sofrer eternamente de “complexo de vira-lata”, que é a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Para minha grande tristeza, a cada dia que passa tendo a concordar cada vez mais com o escritor.
Falo isso porque, de alguns meses para cá, tenho percebido que as notícias negativas sobre o nosso país têm dominado as principais mídias 24 horas por dia. Parece que, de um momento para o outro, todos os grandes órgãos de comunicação descobriram que temos sérios problemas nas áreas de saúde, educação e segurança. A sensação que tenho quando assisto pela televisão os telejornais – a qualquer horário do dia – é que estou morando em algum país muito pobre da África, e não na atual oitava economia do mundo, aspirante à sexta posição, dependendo do resultado do PIB (Produto Interno Bruto), em disputa direta com a Inglaterra, segundo dados do Banco Mundial.
A proximidade da Copa do Mundo parece que exacerbou nosso complexo. A “torcida” para que tudo dê errado me espanta, e me espanta mais ainda quando vejo que esse sentimento vem de muita gente que já com seu ingresso comprado para pelo menos um jogo do Mundial. Ou seja, torço para que dê errado, mas quero torcer pela nossa seleção. Paradoxal, não é mesmo?
Não sou alienada ao ponto de achar que tudo dará certo no torneio. Muito pelo contrário, acredito que muita coisa não estará de acordo com o “padrão Fifa” que vem sendo citado em todas as mídias – e que até já virou piada nas redes sociais. Mas, diferente de gente que prega o quebra-quebra, greves e violência contra estrangeiros durante os jogos, eu torço para que os problemas sejam os menores possíveis.
Em qualquer outro país a população tentaria, de todas as formas, fazer um evento que orgulhasse o país. Não me lembro de ter visto na África do Sul tamanha torcida contra a Copa do Mundo, nem as quebradeiras que todo dia estão acontecendo em nosso país por causa de um suposto protesto contra o Mundial.
A Copa virou a grande vilã de todas as nossas mazelas. O que as pessoas parecem não entender – ou agem deliberadamente de má fé – é que o evento é um fato consumado. Por si só, esse deveria ser um estímulo para que tentássemos mostrar ao mundo que não somos o povo do oba-oba, da malandragem, da desonestidade, do jeitinho. Deveria ser a chance de mostrarmos que não somos o retrato dos políticos que elegemos e que somente legislam em causa própria. Enfim, como li essa semana em uma postagem em uma rede social, deveríamos mostrar que não somos o povo que “tem o governo que merece”. Somos melhores que nossos representantes, e temos a chance de mostrar isso ao mundo. Em minha opinião, devemos aproveitá-la.


domingo, 11 de maio de 2014

Somos todos juízes


Somos todos juízes. Todos os dias nos deparamos com situações diversas em que nos achamos no direito de determinarmos se esse ou aquele comportamento está certo ou errado – claro, de acordo com nossos princípios. Pequenos deslizes são cruciais para que, a partir deles decidamos se determinada pessoa vale ou não a pena estar em nosso convívio. A cada dia mais, estamos nos arvorando no direito de absolvermos ou condenarmos uma pessoa pelo que ela é – mesmo que para ela nossa opinião não faça a mínima diferença.
Desde que o mundo é mundo que temos esse tipo de comportamento. Antigamente, bastava uma mulher ser desquitada (que palavra antiga!) para que sua moral fosse colocada em xeque. Um homem que não se comportasse como homem – nunca entendi bem o que é “se comportar como homem”- já era visto de maneira enviesada, e os comentários maldosos surgiam em todos os lugares onde ele se encontrasse. A perda da virgindade de uma garota muitas vezes se transformava no assunto principal de todo um grupo, que já determinava que ela não servia para “casar”. O homem que não conquistasse um bom emprego também não era visto como uma boa opção para um casamento. Afinal, quem ia querer ficar com um “pé rapado”?
Todos esses julgamentos nos parecem bastante ultrapassados hoje, e realmente são. Mas mostram que sempre nos demos o direito de determinar o que era certo ou errado, sem nos preocuparmos em entender o que havia levado a pessoa a adotar certa atitude. A enorme diferença que existe entre hoje e o passado é que, naquela época, comentários maldosos e “julgamentos sumários” ficavam sempre na esfera família, trabalho, bairro em que se morava. Bastava mudar de seu bairro ou cidade para se esquecer a “má fama” e começar uma nova vida sem julgamentos de caráter já estabelecidos.
A chegada da internet mudou tudo isso. Basta um clique para que um comentário infeliz, uma foto ousada, um vídeo íntimo ou uma atitude mal pensada sejam mostrados a milhares – até mesmo milhões – de pessoas com a velocidade da luz. E uma vida até então sem problemas pode se transformar em um inferno.
Disseminamos pelas redes sociais comportamentos “inadequados” sem nenhum tipo de filtro, e automaticamente fazemos nosso julgamento em comentários demolidores. Se a reputação da pessoa ficará manchada para sempre não é nosso problema – afinal, quem mandou ela “errar”?

Porém, não nos damos ao mesmo trabalho de divulgação de atitudes boas. Muito pelo contrário, lemos rapidamente o fato e o esquecemos. É como se a necessidade de mostrarmos que somos melhores que a pessoa que fez algo condenatório fosse maior do que aceitarmos que somos falhos e que existem aqueles muito mais bem intencionados do que nós. Por isso, somos juízes o tempo todo, sem nos lembrarmos de que, um dia, também seremos julgados.