sábado, 11 de julho de 2009

Intimidade escancarada

Odeio gente que fala demais. Opa! Calma, quem me conhece deve até ter engasgado agora, afinal eu mesma falo mais do que o “homem da cobra”.
Na verdade o que eu odeio é gente que aproveita a fila do banco, da loja, do ônibus ou de qualquer situação em que haja uma pessoa perto para começar a contar desgraças e perguntar sobre todos os detalhes da minha vida. Pior, para falar até mesmo sobre assuntos somente comentados com a melhor amiga ou, quando muito, com Deus, de tão embaraçosos que são.
Não entendo pessoas que sentem essa necessidade de falar e perguntar sobre os temais mais íntimos possíveis a quem quer que seja. Aliás, normalmente esses seres humanos sequer estão pensando se o ouvinte está mesmo disposto a agüentar essa “verborragia”. E contam e perguntam sobre doenças, o marido, os filhos, os problemas dos filhos... E o assunto rende na fila, que normalmente demora, ou naquela viagem de ônibus que teoricamente deveria durar meia hora, mas se prolonga por uma hora e meia quando encontramos esses tipos.
Sempre me surpreendi com esse comportamento. Mas há cinco anos tive uma experiência que me mostrou o quanto as pessoas, nas situações mais difíceis possíveis, podem ser inconvenientes. Nessa época fui operada três vezes. Morava em Araraquara mas, como o equipamento que iriam usar em minha cirurgia estava quebrado, tive de ser operada em São Carlos. A coisa era simples, entrava no fim da tarde de um dia e saía no outro. Apenas uma injeção de contraste me obrigava a entrar no hospital na véspera da cirurgia.
Como tudo era simples, decidi não trocar o quarto coletivo que meu plano dava pelo particular que meus pais queriam pagar. “Ah não, é só hoje à noite e amanhã vou embora, para que pagar toda a diferença?”, meu (enganado) senso me dizia.
E fui tomar o bendito contraste, uma “pequena” injeção dada no bico do seio que me deixou atordoada demais até mesmo para chorar de dor. Cheguei ao quarto e minha companheira de infortúnio era uma senhora de mais de 80 anos, meio surda e que estava dormindo. Como minha mãe iria dormir no quarto comigo, disse a ela para jantar porque só iriam servir para mim aquela comida horrorosa pré-operatória.
E fiquei sozinha com a senhora. Estava quase cochilando quando entra a filha dela, uma mulher na faixa de uns 60 anos. Cumprimenta a mãe, conversa um pouco, mas é claro que a curiosidade de saber quem era a companheira de quarto era muito maior do que a noção de que eu estava pálida e com dor.
- Boa tarde. Você está internada aqui?
“Não, sua idiota. Eu estava passeando e resolvi entrar no quarto e dormir um pouco”, pensei, meio rosnando. O que mais eu estaria fazendo deitada num quarto de hospital? Ainda assim, a despeito da dor e do mau humor, respondi educadamente que estava internada.
- Mas você está doente?
Gente, que mais eu estaria fazendo ali???? Sem pensar, falei que não, mas que iria ser operada no dia seguinte. A mulher deve ter achado que eu ia fazer lipo, ou alguma intervenção estética, porque despejou sem dó:
- Ah, bom, porque gorda desse jeito você não tem cara de doente mesmo.
Abre parênteses. Eu estava fazendo a segunda cirurgia por causa de um câncer de mama e, devido ao stress, havia engordado uns 20 quilos, além de estar inchadíssima de remédios. Fecha parênteses.
Desacreditei quando ouvi a frase. Achei que era efeito da injeção que eu havia tomado, que estava tendo alucinações, qualquer coisa, menos que aquela infeliz havia falado aquele absurdo. E o interrogatório continuou:
- Quantos anos você tem?
- 31.
- É casada?
- Não.
- Mas por que não? Porque, apesar de gorda, você é bonita.
A vontade de mandar a mulher para o inferno, para não dizer um palavrão, só não era maior do que a minha dor, que me impedia de raciocinar direito. Nessa hora eu até acho que ia responder, mas minha mãe entrou no quarto. Aí a louca aproveitou e despejou o rosário da vida dela. Entre outras coisas, ficamos sabendo que elas eram em três irmãs, mas que uma havia brigado com as outras de “rolar no chão e unhar o pescoço até tirar o sangue da carne”. Ah, e que ela não tinha mais vida sexual com o marido, mas que a irmã que a ajudava ainda tinha. Assim, em três horas, ela ficou contando todos os detalhes possíveis da vida dela, da mãe e das irmãs, e eu e minha mãe atônitas com a quantidade de informações não solicitadas e despejadas em cima da gente.
De repente, sei lá o por que, ela dá o golpe de misericórdia em mim:
- Olha, a senhora está muito bonita, muito jovem para a idade que tem, porque a sua filha, vou dizer uma coisa... Está acabada, um bagaço, muito feia!
Até hoje não sei o que me impediu de xingar a mulher nessa hora. Minha mãe ainda tentou contemporizar, dizendo que eu estava doente, passando por uma situação difícil. Qual! Ela insistiu:
- Ah, não justifica... Ela está muito acabada!
Por fim, lá pelas nove e meia da noite (a tortura havia começado por volta das seis horas) o marido (o que não transava mais) chegou. Muito quieto, cumprimentou minha mãe e ficou escutando aquela conversa. A louca vira então e fala assim:
- Benhê, a Mara quer que a gente vá passear em Piracicaba na casa dela.
Pânico. Pensei: “Mas que horas que minha mãe falou isso que eu não ouvi?”. Nada, aquilo era a imaginação da infeliz. E dona Mara, coitada, ainda teve que concordar.
Até hoje me arrepio quando lembro daquele dia no hospital, das histórias todas e da indiscrição da mulher. Por isso, quando me pego em uma fila, ou qualquer situação em que percebo que a pessoa está querendo me tomar por confidente, já tenho minha saída: fecho a cara, finjo que estou lendo qualquer coisa, mas nem desvio o olhar. Não posso dar a chance de a pessoa acreditar que estou demonstrando qualquer interesse sobre o assunto. Afinal, cada um com seus problemas! Ou, como vi em uma comunidade do orkut: “Quer falar? Vai na Hebe!”

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