sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Realidade distorcida

Essa semana assisti um pequeno pedaço da novela “Viver a Vida”, coisa que raramente faço porque normalmente minha televisão fica ligada em canais pagos onde sou fissurada por seriados. Manoel Carlos já foi muito criticado por ter mantido a tradição das Helenas, pela escolha do eterno galã José Mayer, e por querer colocar na mesma trama tantos problemas que eles acabam se perdendo no meio do caminho.
Pelo pouco que vi a maior falha dessa novela está exatamente na personagem Luciana, que muita gente vem elogiando como um exemplo para que os tetraplégicos vejam que é possível levar uma vida feliz após um acidente como o dela. Revi na memória todos os casos de problemas graves nas histórias do Maneco e a maioria delas tem um ponto em comum: as tragédias superadas com tanta garra ocorrem sempre com os personagens que têm as melhores condições financeiras.
Em “Páginas da Vida” o tema era a síndrome de Down. A médica Helena, que tinha à disposição empregada, babá e boas escolas adota uma criança com o problema. Tudo parecia muito fácil, exceto o preconceito, claro. Não estou aqui dizendo que ter um filho com síndrome de Down traz menos dificuldades para quem tem dinheiro, mas sou o tipo de pessoa que admite que ele ajuda, e muito, a amenizar problemas graves.
Mesmo caso agora da tetraplégica Luciana. O médico que a acompanha só falta ficar 24 horas do dia na casa dela. Tudo bem que há o interesse romântico, mas mesmo assim, é atenção demais. Aliás, aquele hospital deve ser o desejo de todo profissional de saúde: todo mundo bonito, com os jalecos impecáveis, sempre tomando café. As terapeutas são perfeitas. E, claro, para trazer a garota para casa, basta fazer as adaptações arquitetônicas corretas, que tudo está resolvido. Simples!
Será mesmo? Na vida real, quantas pessoas que ficam tetraplégicas, ou mesmo paraplégicas, têm condição de fazer todas as adaptações exigidas para que a casa se torne um local de fácil locomoção? Quantas podem arcar com os custos de fisioterapia todos os dias para recuperar os movimentos? Quantos médicos se envolvem tão profundamente com a pessoa acidentada?
Acho ótimo que as dificuldades dos cadeirantes sejam mostradas. Porém, acho que seria mais eficaz se Maneco mostrasse situações mais plausíveis com a nossa realidade: os convênios que negam sessões de fisioterapia, as dificuldades de se movimentar numa casa não adaptada para cadeirantes, a verdadeira lentidão da recuperação de quem sofre um acidente como o da personagem. A novela deveria refletir a regra, e não a exceção. Assistindo a um capítulo, me veio a sensação de que tudo parecia simples demais para quem está passando por um problema tão sério.

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