quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Indignação com as coisas certas

Tenho ouvido nas duas últimas semanas convites exaltados de pessoas que querem o boicote total ao filme “Os Mercenários”, de Sylvester Stallone. A despeito de a atriz brasileira Giselle Itié fazer parte do elenco, o motivo da indignação foi um comentário infeliz do ator, ao ser questionado do por que gravar no País: “Lá você pode atirar nas pessoas, explodir coisas e eles dizem ‘obrigado! E aqui está um macaco para você levar para casa’. Não poderíamos ter feito o que fizemos (em outro lugar)”.
Não pretendo assistir ao filme, mas não por indignação com o comentário infeliz do ator, que depois de perceber a polêmica que sua frase havia causado pediu desculpas ao nosso povo. Infelizmente, de certa maneira, concordo com o que Stallone falou: nossa gente, perante os estrangeiros (principalmente americanos), é subserviente demais. Esse posicionamento servil é que tem de mudar.
Um bom exemplo está em nossas universidades. Um estrangeiro pode vir aqui fazer pós-graduação sem falar o português, algo inimaginável na maioria dos países, onde a proeficiência na língua natal é item obrigatório para qualquer especialização. Aqui, o estrangeiro fala inglês ou espanhol, e está ótimo. Alguns professores se preocupam inclusive em traduzir a aula para o aluno, o que, na minha visão, é o cúmulo do absurdo.
Morei fora do Brasil e ninguém se preocupava em me ajudar quando eu não sabia alguma coisa. Aprendi rapidamente a me comunicar porque, ou falava inglês, ou falava inglês. Ninguém tentava falar em português comigo, ou sequer espanhol. Era obrigação minha aprender a língua de onde morava.
Conheço estrangeiros que trabalham aqui em multinacionais há dois ou três anos cujo português limita-se ao básico. Por que isso? Porque, independente de onde estejam, sempre tem alguém para traduzir o que eles precisam. Assim, têm um tradutor disponível a qualquer tempo, sem pagar nada. E ainda acham desagradável que nas lojas, bares e restaurantes, as pessoas não falem inglês ou espanhol para atendê-los!
Gostaria que essa indignação que as pessoas estão sentindo servisse não apenas para um fato isolado, mas para tudo. Que servisse para cobrarmos mais saúde, educação, estradas decentes, menos impostos. Que nos indignássemos realmente com coisas que importam, e não com comentários que em nada vão mudar a nossa vida. Ou melhor, deviam se importar com o comentário: mas para mudar esse comportamento servil que ainda temos perante os estrangeiros. Temos de nos lembrar que eles são iguais a nós: nem mais, nem menos. E darmos a eles o mesmo tratamento que recebemos, sem privilégios ou idolatria. Tratar bem é uma coisa, ser subserviente é outra. Que toda essa indignação sirva também para revermos nosso próprio comportamento.

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